Topo

Blog do Juca Kfouri

André Rizek aciona a Abril e os irmãos Civita

Juca Kfouri

16/11/2020 15h34

Causou indignação na sociedade o caso em que a Editora Abril não assumiu a sua integral responsabilidade na defesa do jornalista André Rizek, como se pode ver AQUI .

A ponto do ex-ministro Eros Grau ter saído, voluntariamente, em apoio ao repórter como se pode ver AQUI.

Eis que, passado mais de um ano, Rizek entrou na Justiça para que não só a empresa, na pessoa de seu novo dono, o empresário Fábio Carvalho, mas, também, dois de seus ex-herdeiros, os irmãos Gianca e Tite Civita, arquem com as vultosas quantias que se omitiram de ressarcir, como por danos morais infringidos ao ex-funcionário.

Fábio Carvalho

A medida não se restringe a defender direitos líquidos e certos de Rizek, porque vai além, ao proteger o exercício do jornalismo, preocupação que a Abril deveria ter na medida em que segue no ramo editorial, por exemplo ao manter viva a revista semanal "Veja".

Irmãos Civita

A brilhante peça abaixo é assinada pelos advogados Maurício de Souza Pessoa e Mona Hamad Leoncio.

Trata-se de muito mais do que um ato jurídico perfeito, mas, sim, de uma crônica dilacerante sobre como agem certos empresários no Brasil, em absoluto desrespeito aos direitos dos trabalhadores e de como funciona a indústria da recuperação judicial quando a ética é posta a escanteio.

A memória de Victor Civita não merecia tamanha ofensa.

Os netos, é claro, não estão nem aí e seguem com suas vidas nababescas, gastando parte, pelo menos, da fortuna que não lhes pertence.

Rizek, com sua atitude, devolve aos jornalistas, e aos trabalhadores brasileiros, a solidariedade a que fez jus.

PROCESSO_PJE_1001255-37.2020.5.02.0052

Poder Judiciário

Justiça do Trabalho

Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região

AÇÃO TRABALHISTA – RITO ORDINÁRIO ATOrd1001255-37.2020.5.02.0052

Processo Judicial Eletrônico Data da Autuação: 16/11/2020

Valor da causa: R$ 401.498,75

Partes:

RECLAMANTE: ANDRE RIZEK LOPES

ADVOGADO: MAURICIO DE SOUSA PESSOA – OAB: SP156805

ADVOGADO: MONA HAMAD LEONCIO – OAB: SP329381

RECLAMADO: ABRIL COMUNICACOES S.A. – CNPJ: 44.597.052/0001-62 RECLAMADO: FABIO SOARES DE MIRANDA CARVALHO

037.361.977-48

RECLAMADO: GIANCARLO FRANCESCO CIVITA

RECLAMADO: VICTOR CIVITA

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz da Vara do Trabalho de São Paulo/SP – Fórum Trabalhista Ruy Barbosa

"Publicada a matéria com a sua assinatura, passou a sofrer constrangimentos. Processos foram instaurados contra ele e, por conta disso, em cartas que a ele foram entregues, a Abril assumiu a responsabilidade pelas consequências daí resultantes. Mais, é signatária de uma convenção trabalhista formalizada em 2001, nos termos da qual assume a responsabilidade por condenações em ações judiciais nas quais seus jornalistas sejam processados. […] Em um dos processos contra ele instaurados, o André está a sofrer execução, como se a Abril não fosse no caso responsável." (Eros Grau, ex-ministro do STF, escrevendo nota em defesa de André Rizek, 22.07.2019)

ANDRÉ RIZEK LOPES, brasileiro, jornalista, nascido em 28.05.1975, (procuração anexa), vem, respeitosamente, ajuizar a presente RECLAMAÇÃO TRABALHISTA, com pedido de tutela de urgência, em face de:

(1) ABRIL COMUNICAÇÕES S/A – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL (sucessora de EDITORA ABRIL S/A), sociedade por ações inscrita no CNPJ/MF sob o n. 44.597.052/0001-62, com sede na Avenida Otaviano

Alves de Lima, n. 4.400, 5o andar, São Paulo/SP, CEP 02909-900;

(2) FÁBIO SOARES DE MIRANDA CARVALHO, brasileiro, casado, advogado,

(3) GIANCARLO FRANCESCO CIVITA, brasileiro, divorciado, bacharel em Comunicação Social,

(4) VICTOR CIVITA, brasileiro, divorciado, cientista político,

Pelos fatos e fundamentos que passa a expor.

1. Dano material trabalhista pós-contratual.

O autor manteve contrato de trabalho com a 1a reclamada entre 01.03.2001 e 26.01.2009, tendo percebido como último salário o valor de R$ 6.447,45.

No exercício da função de jornalista, foi obrigado a assinar a reportagem "A História dos Aspirantes", veiculada na edição n. 1173, de março de 2001, da Revista Placar.

Em razão desse artigo, foi acionado na Justiça Comum, ao lado da ex-empregadora, por três pessoas citadas na reportagem:

(i) Fábio Cambraia Salles, processo n.0226554-14.2002.8.26.0100;

(ii) Francisco Wagner do Nascimento, processo n. 0022871- 16.2003.8.26.0100;

(iii) Sérgio Simões de Jesus, processo n. 0156616- 92.2003.8.26.0100.

Não obstante o postulado elementar de pertencer exclusivamente ao empregador o risco do negócio (art. 2o, caput, da CLT), em todas as ações foi o autor condenado solidariamente com a empregadora ao pagamento de indenização por danos morais.

Além desse postulado, a 1a ré estava obrigada a assumir integralmente os valores da condenação por força de norma coletiva e de compromissos assumidos formalmente com o empregado, com eficácia de contrato, assunto ao qual se voltará adiante.

Ocorre que, transitada em julgado a decisão condenatória da ação movida por Fábio Cambraia, a 1a ré realizou o pagamento integral da condenação em 22.01.2018 (doc. anexo).

Com o trânsito em julgado da decisão condenatória no processo de Francisco Wagner, a 1a reclamada não cumpriu a sentença, vindo o autor a sofrer execução e várias tentativas de penhora, inclusive em sua conta-corrente, na qual recebe salário; ao final, ele arcou pessoalmente com o valor de R$ 620.000,00, na data de 29.11.2019.

Desse montante, apenas R$ 310.000,00 foram reembolsados pela 1a ré.

A 1a ré também não cumpriu a decisão condenatória proferida na demanda proposta por Sérgio Simões, a qual também já transitou em julgado, tendo novamente o autor suportado a condenação, a qual foi paga em três parcelas:

(i) R$ 118.889,04, em 10.06.2020; (ii) R$ 46.696,96, em 02.07.2020; (iii) R$ 235.912,71, em 06.08.2020 (total de R$ 401.498,75).

Mais uma vez somente parte dessa quantia (R$ 310.000,00 dos R$ 401.498,75) foi indenizada pela 1a ré, que efetuou os seguintes pagamentos ao reclamante:

(i) R$ 118.889,04, em 25.06.2020;

(ii) R$ 46.696,96, em 10.07.2020;

(iii) R$ 144.414,00, em 10.09.2020.

Logo, no total deixou a 1a ré de reembolsar o autor o montante de R$ 401.498,75, do qual ele ainda é credor.

Esse dano causado ao empregado tem natureza trabalhista pós-contratual, sendo inequívoca a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente demanda.

2. Competência da Justiça do Trabalho.

Embora o prejuízo causado ao reclamante decorra de ações judiciais que tramitaram na Justiça Comum, quando se trata de cobrar do empregador indenização devida ao empregado, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações daí decorrentes, inclusive as quem tiverem por objeto o pagamento de danos materiais e morais com origem na relação de emprego (art. 114, VI, da Constituição).

A competência não se modifica quando o dano, oriundo do contrato de trabalho, surge antes ou mesmo após o término do vínculo empregatício, o chamado "dano pós-contratual":

"RECURSO DE REVISTA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL OCORRIDO EM FASE PÓS-CONTRATUAL. A competência da Justiça do Trabalho é fixada em face da causa petendi oriunda da relação de trabalho, inclusive em razão da irradiação dos seus efeitos em momento pré ou pós-contratação.

Portanto, todo conflito decorrente da relação de trabalho, em qualquer de suas fases pré-contratual, contratual ou pós-contratual, é da competência desta Justiça Especial.

Trata-se de situações que, embora anteriores ou posteriores à efetiva formalização do contrato de emprego ou da relação de trabalho propriamente dita, geram efeitos jurídicos, nos termos do art. 422 do Código Civil. Nesse passo, no caso sob exame, o pedido formulado na exordial de indenização por dano moral, atribuída à reclamada, em decorrência de ter utilizado o nome da reclamante, como responsável técnica, em rótulos de seus produtos fabricados após a cessação do contrato de trabalho firmado entre as partes, nitidamente enquadra-se na competência estabelecida no inciso VI do art. 114 do texto constitucional, porque decorre dos efeitos jurídicos oriundos da fase pós-contratual da relação de trabalho, o que não transmuda a natureza trabalhista do litígio, inserindo- se, assim, na órbita da competência da Justiça do Trabalho. Recurso de revista não conhecido. […]." (TST. 7a Turma. RR n. 40200-46.2011.5.17.0008. Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. DEJT 20.11.2015)

"[…] COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. LISTA NEGRA. […] DANO MORAL PÓS CONTRATUAL. LISTA DISCRIMINATÓRIA PARA IMPEDIR CONTRATAÇÃO DE EX- EMPREGADO. ART. 114, VI, DA CF. PRECEDENTES. É competente a Justiça do Trabalho para pedido de indenização por danos morais decorrente da relação de trabalho, nos termos do art. 114, VI, da CF, como no caso, a alegada inserção na chamada lista negra. Recurso de revista conhecido e provido." (TST. 6a Turma. RR n. 142400-68.2010.5.23.0051. Relatora: Ministra Katia Magalhaes Arruda. DEJT 19.04.2013).

É indiscutível, portanto, a competência da Justiça do Trabalho para apreciar o presente pedido de indenização, composto de danos materiais e morais, ante a quebra do compromisso formal de reembolso por condenação judicial em razão de matéria jornalística, transferindo-se indevidamente ao empregado o risco do negócio.

No caso concreto, mostra-se ainda mais repulsiva a recusa da ex-empregadora, um poderoso "Grupo" empresarial de mídia, já que tantas foram as declarações públicas e os compromissos formais assumidos de honrar integralmente as referidas condenações judiciais, tornando inquestionável a sua responsabilidade integral pela dívida ora cobrada.

3. Responsabilidade integral da 1a ré pelas condenações em razão da matéria jornalística e risco do negócio.

Era e sempre foi da 1a ré a responsabilidade integral pelas condenações sofridas em razão da referida matéria jornalística, assinada pelo trabalhador ante o estado de subordinação inerente ao vínculo de emprego.

Em primeiro lugar, ao tempo em que ela foi publicada, estava em vigor norma coletiva que dispunha:

"DEFESA JUDICIAL

No caso de vir o jornalista a ser judicialmente processado, a empresa patrocinará a sua defesa, custeando TODAS AS DESPESAS até decisão final transitada em julgado, desde que a matéria objeto do processo tenha sido autorizada pela direção da empresa e não fuja à orientação que esta tenha dado."

O alcance dessa disposição normativa nunca foi questionado pela ré.

Pelo contrário.

Tanto que, com relação à primeira condenação, a 1a ré, além de assumir o custo da defesa do autor, suportou integralmente o cumprimento da decisão judicial condenatória.

Em segundo lugar, independentemente da obrigação derivada da norma coletiva (arts. 7o, XXVI, da Constituição e 611 da CLT), a 1a ré ajustou diretamente com o autor o compromisso de arcar com toda e qualquer condenação, porventura existente, em razão do exercício da sua função, mesmo quando houvesse condenação solidária do empregado.

Esse compromisso se adere ao contrato de trabalho, nos termos do art. 444 da CLT.

Confira-se, primeiramente, e-mail enviado ao autor em 06.11.2018, o qual não deixa dúvida quanto ao conteúdo do compromisso assumido com o empregado:

"Bom dia André,

Conforme conversamos, nos termos da convenção coletiva dos jornalistas a Abril Comunicações é integralmente responsável pelo pagamentos das condenações judiciais dos processos ajuizados em seu desfavor e de seus jornalistas, AINDA QUE OS ÚLTIMOS SEJAM CONDENADOS COMO DEVEDORES SOLIDÁRIOS nos autos da medida judicial. […]." (doc. anexo)

Antes mesmo disso a 1a ré já havia formalizado essa promessa em petição apresentada no dia 08.10.2018 nos autos do cumprimento de sentença n. 0071800-55.2018.8.26.0100, movido por Francisco Wagner:

"Em acréscimo, esclarece a Executada ABRIL que é igualmente responsável pelo pagamento da condenação imposta ao jornalista André Rizek Lopes, conforme disposição expressa na cláusula 31 da Convenção Coletiva dos Jornalistas (doc. 03), abaixo transcrita: […]

Desse modo, é evidente que o pagamento integral relativo à condenação imposta ao Executado André Rizek Lopes também deverá ser suspenso pelo prazo de 180 dias, por dizerrespeito a uma obrigação da Executada ABRIL, empresa da qual o jornalista era funcionário à época da publicação jornalística objeto da lide." (doc. anexo)

Na mesma ação judicial, em embargos declaratórios opostos em 26.10.2018, o compromisso foi inteiramente ratificado pela 1a ré, sem qualquer ressalva ou restrição:

"[…] Com efeito, data venia, os Embargantes vislumbram que a decisão foi omissa quanto à análise da cláusula 31 da Convenção Coletiva de Trabalho dos Jornalistas Profissionais, que possui força de lei e dispõe sobre a necessidade da Empregadora de assumir o pagamento da condenação imposta ao jornalista André Rizek Lopes, por dizer respeito a uma obrigação da Abril, empresa da qual o jornalista era funcionário à epoca da publicação jornalística objeto da lide, in verbis: […]

Inclusive, a teor do que dispõe os artigos 932, inciso II, e 933 do Código Civil, competirá à Empregadora, além de assumir necessariamente todos os encargos oriundos do processo judicial, responder objetivamente pelos danos causados por seus empregados, no exercício da atividade jornalística." (doc. anexo)

Por meio de declaração assinada em 03.12.2018, a 1a ré tornou a se declarar a única responsável pelo pagamento da condenação judicial:

"Ref.: Declaração de Assunção de Responsabilidade – Processo Judicial no 0022871-16.2003.8.26.0100

ABRIL COMUNICAÇÕES S/A, em Recuperação Judicial, com Sede na Av. Major Sylvio de Magalhães Padilha, 5200, Ed. Philadelphia, 2o andar, Morumbi – São Paulo/SP – CEP: 05693-000, por meio de seus procuradores que a presente subscrevem, vem expor o quanto segue.

Conforme é de conhecimento de V. Sa., no ano de 2003 a demanda mencionada em epígrafe fora proposta pelo Sr. Francisco Wagner do Nascimento Andrade, o qual alegou ter sido ofendido em sua honra em razão da publicação da reportagem jornalista intitulada "A História dos Aspirantes", veiculada na revista Placar, edição 1173 de março de 2001.

Após regular trâmite do processo e apesar de a Abril Comunicações ter empregado seus melhores esforços, não foi possível a obtenção de um deslinde favorável nos autos. Por tal razão, após o trânsito em jugado, o autor deu início à execução da condenação, a qual perfaz o montante de, aproximadamente, R$ 670.000,00 (seiscentos e setenta mil reais).

[…] Neste diapasão, é de rigor esclarecer que os valores em questão, por força de Convenção Coletiva de Trabalho aplicável aos jornalistas do Grupo Abril, deverão ser arcados pela Abril Comunicações, na forma do Plano de Recuperação Judicial, a ser submetido à Assembleia Geral de Credores.

A Abril Comunicações se coloca à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários e aproveita o ensejo para elevar seus protestos de estima e consideração.

São Paulo, 03 de dezembro de 2018." (doc. anexo)

Em novo e-mail, agora enviado em 29.05.2019, a 1a ré mais uma vez reafirmou o seu dever de responder integralmente por toda e qualquer condenação em razão da mencionada matéria jornalística (ou de qualquer outra, aliás):

"Caro André, boa tarde.

Entendemos a sua situação e reiteramos que a Abril Comunicações SEMPRE HONROU COM O PAGAMENTO DA CONDENAÇÃO E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RELACIONADOS ÀS REPORTAGENS ESCRITAS E / OU EDITADAS POR SEUS JORNALISTAS E EX JORNALISTAS E PUBLICADAS EM SEUS TÍTULOS. […]De todo modo, levaremos a situação ao conhecimento da atual diretoria e retornaremos com a máxima brevidade. Abs., Mariana" (doc. anexo)

Não obstante a clara obrigação decorrente da norma coletiva e, mais que isso, do ajuste formalizado com o ex-empregado, de suportar integralmente as referidas condenações judiciais, a 1a ré quebrou tal compromisso.

Após sofrer tentativas de bloqueio em seu patrimônio pessoal e, sem alternativa, haver cumprido as condenações judiciais, sabe-se lá sob que sacrifício pessoal, o autor notificou a 1a ré para que procedesse ao reembolso dos valore que dispendeu (doc. anexo).

Em resposta, tornou a 1a ré a confessar a sua promessa, integral e exclusiva, do pagamento das condenações judiciais:

"Muito embora a AbrilCom reconheça – como semprereconheceu, há de se frisar desde logo – seu dever de proceder ao pagamento do crédito oriundo das condenações fixadas nos processos em que o Sr. André Rizek Lopes figurou como devedor solidário da empresa, diante do teor da notificação recebida, hão de ser pontuadas algumas premissas fundamentais quanto à forma pela qual deverá ser realizado o pagamento do saldo remanescente do crédito detido pelo Sr. André Rizek Lopes." (doc. anexo)

Seja com base na força vinculante da norma coletiva (arts. 7o, XXVI, da Constituição e 611 da CLT), seja com base no contrato celebrado com o reclamante (arts. 444 e 462 da CLT), a responsabilidade pelo pagamento das condenações judiciais acima relacionadas é, sem dúvida, integral e exclusiva do "Grupo Abril", o ex-empregador.

Note-se que não se está diante de mero dever moral, o que, prevalecesse a boa-fé objetiva, deveria bastar para a ex-empregadora proteger o jornalista e ter a dignidade de assumir o risco de seu negócio.

Trata-se do cumprimento de ajuste coletivo e de contrato individual firmado com o empregado.

Na tentativa de justificar a grave e indefensável quebra de compromisso, porém, o poderoso "Grupo Abril" alegou que o crédito do reclamante teria natureza "concursal" e se sujeitaria ao "plano da recuperação judicial" requerido em 16.08.2018.

Esse falso pretexto, todavia, não se justifica e nem se aplica ao caso concreto, diante da inequívoca natureza extraconcursal do crédito do reclamante.

4. Natureza extraconcursal do crédito do reclamante (arts. 67 e 49 da Lei n. 11.101/2005).

Para quebrar o contrato firmado com o reclamante e transferir para ele, de forma ilegal, o risco do negócio, a 1a ré alegou que crédito ora cobrado teria natureza concursal, estando sujeito ao "Plano de Recuperação Judicial do Grupo Abril".

Confira-se trecho da contranotificação enviada pelo "Grupo Abril" em 25.09.2020:

"Conforme é de conhecimento de V. Sas., a Abril Comunicações, em conjunto com as demais empresas do Grupo Abril, encontra-se em processo de Recuperação Judicial, autuado sob o no 1084733- 43.2018.8.26.0100 e em trâmite perante a 2a Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Comarca de São Paulo desde o dia 15.08.2018.

Assim, todos os créditos não excluídos do regime concursal pela Lei no 11.101/05 ("LFRJ") e já existentes (ainda que ilíquidos) à época do ajuizamento do pedido de recuperação judicial se submetem aos seus efeitos, nos termos do art. 49 da LFRJ.

Desta forma, considerando que as sentenças condenatórias proferidas nos processos no 0022871-16.2003.8.26.0100 e 0156616-92.2003.8.26.0100 geraram créditos inequivocamente sujeitos aos efeitos da recuperação judicial – fato que, como é de conhecimento de V. Sas., foi reconhecido no âmbito de ambos os cumprimentos de sentença, que foram suspensos em face da AbrilCom – seu pagamento deverá necessariamente ser realizado nos termos do Plano de Recuperação Judicial do Grupo Abril, como estabelece o art. 59 da LFRJ.

Neste ponto, há de se ressaltar que a AbrilCom não simplesmente deixou de proceder ao pagamento das mencionadas condenações. Em virtude do próprio regramento da LFRJ, a AbrilCom encontrava-se legalmente impedida de realizar qualquer pagamento de crédito sujeito ao concurso de credores (como é o caso) fora do âmbito do Plano de Recuperação Judicial aprovado pela Assembleia Geral de Credores e homologado pelo d. Juízo da Recuperação Judicial." (doc. anexo)

O crédito do autor, no entanto, está longe de ser concursal, embora, dado o perfil dos devedores – inclusive os solidários, como se verá abaixo -, tal característica nem sequer servisse para justificar a quebra do sério compromisso assumido, reiterado e ratificado com o jornalista-empregado.

Como a 1a ré não pagou as condenações judiciais a que foi condenada e que por elas era inteiramente responsável, foi o ex-empregado constrangido pessoalmente a responder por tais condenações.

Ao realizar os pagamentos aos credores do "Grupo Abril", surgiu para o reclamante um novo direito, única e exclusivamente decorrente do pagamento por ele efetuado.

Trata-se de direito de regresso, que não se confunde com mero direito de sub-rogação dos créditos dos credores do "Grupo Abril".

A pretensão ao ressarcimento, APÓS O DESEMBOLSO PELO EMPREGADO, diante do inadimplemento pelo único responsável, tem respaldo nos arts. 283, 285 e 936 do Código Civil:

"Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co- devedores."

"Art. 285. Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que pagar."

"Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz."

Como se vê, o direito de regresso surgiu apenas no momento em que os valores deixaram o patrimônio do reclamante (devedor solidário) para ingressar no patrimônio dos credores da "Abril".

Número do processo: ATOrd 1001255-37.2020.5.02.0052 Número do documento: 20111611401544500000196185570 ID. 70d8721

O pagamento no lugar do empregador é o marco inicial do dano pós-contratual, despontando um novo direito para o ex-empregado, como mostra a sólida jurisprudência:

"Quanto ao marco inicial da pretensão ressarcitória, a conclusão do Tribunal de origem está em consonância com a orientação desta Corte Superior, no sentido de ser a data da violação de seu direito. O nascimento da pretensão de exigir, em regresso, o valor despendido em solidariedade é a dada do pagamento feito em nome dos demais credores e não da data da exigência da dívida (trânsito em julgado da ação trabalhista). A pretensão de regresso nasce no momento em que os valores deixam o patrimônio do devedor solidário para ingressar no patrimônio do credor. Neste instante nasce ao credor que pagou a dívida solidária o direito de exigir dos demais devedores a parte ou integralidade da dívida paga." (STJ. REsp 1.738.143-PR. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. DJe 07.02.2020)

"PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. CELEBRAÇÃO DE ACORDO ENTRE O SEGURADO E O AUTOR DA AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PARCELAMENTO DA DÍVIDA. AÇÃO REGRESSIVA DE COBRANÇA DE SEGURADO CONTRA A SEGURADORA. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. DATA DE PAGAMENTO DA ÚLTIMA PARCELA DO ACORDO.

I – O pressuposto lógico do direito de regresso é a satisfação do pagamento da condenação ao terceiro, autor da ação de indenização proposta contra o segurado. Não há que se falar em ação regressiva de cobrança sem a ocorrência efetiva e concreta de um dano patrimonial.

II – O prazo prescricional subordina-se ao principio da actio nata: o prazo tem início a partir da data em que o credor pode demandar judicialmente a satisfação do direito.

III – Sob essa ótica, na ocorrência de acordo celebrado após trânsito em julgado de condenação judicial em ação indenizatória por danos materiais sofridos por terceiro, o termo inicial do prazo prescricional nas ações regressivas de cobrança de segurado contra seguradora é a data de pagamento da última parcela do acordo.

IV – SOMENTE A PARTIR DO ADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO, QUE OCORREU COM O PAGAMENTO DA ÚLTIMA PARCELA, É QUE A RECORRIDA, NA CONDIÇÃO DE SEGURADA, PASSOU A SER CREDORA DA SEGURADORA, SURGINDO DAÍ O DIREITO AO RESSARCIMENTO, contra a recorrente, do numerário que despendeu para adimplir a dívida.

[…] Recurso especial não provido." (STJ. 3a Turma. REsp 949.434/MT. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. DJe 10.06.2010)

O processamento do pedido de recuperação judicial da 1a ré foi deferido em 16.08.2018 (consoante decisão e "certidão de objeto e pé" anexas).

Os pagamentos feitos pelo reclamante aos credores da "Abril", por sua vez, ocorreram em datas posteriores, a saber:

(i) Ação indenizatória movida por Francisco Wagner: (1) R$ 584.000,00, em 29.11.2019; (2) R$ 36.000,00, em 29.11.2019;

(ii) Ação indenizatória movida por Sérgio Simões: (1) R$ 118.889,04, em 10.06.2020; (2) R$ 46.696,96, em 02.07.2020; (3) R$ 235.912,71, em 06.08.2020.

Como os pagamentos feitos pelo ex-empregado são posteriores ao processamento do pedido de recuperação, o crédito derivado do direito de regresso é extraconcursal e não está sujeito aos efeitos do concurso de credores.

A tese da natureza concursal, utilizada artificialmente pelo "Grupo empresarial" para sonegar o reembolso, é desmentida pelas regras dos arts.

67, caput, e 49, caput, da Lei n. 11.101/2005:

"Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor DURANTE a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei."

"Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos."

É evidente que o crédito do reclamante não existia na data do pedido de recuperação judicial. O crédito passou a existir apenas depois, quando o reclamante arcou com as respectivas condenações.

Como seu crédito não ostenta natureza concursal, o nome do autor nem sequer consta do quadro de credores apresentado com o pedido de recuperação (doc. anexo).

Eis aí uma prova incontestável de que, no fundo, o não pagamento, no caso concreto, decorre de abuso do especial regime de recuperação para não honrar legítimos compromissos, causando enorme prejuízo ao ex-empregado.

Em suma, como o crédito do reclamante – na situação específica em exame, isto é, o direito de regresso por haver pago dívida da 1a ré – foi constituído depois do processamento do pedido de recuperação judicial, ele não se sujeita às regras do plano de recuperação, devendo a ex-empregadora restituir ao ex-empregadoo valor integralmente pago, acrescido de juros e correção monetária.

5. Dano moral.

Em clara infringência à lei e ao contrato, o reclamante foi obrigado a pagar dívida milionária de sua ex-empregadora, sendo apenas em parte reembolsado.

A 1a reclamada não honrou compromisso assumido no curso do contrato de trabalho e reiterado na fase pós-contratual, fazendo com que o empregado tivesse de utilizar o seu patrimônio para responder por dívida da empregadora.

Para negar o reembolso, a 1a reclamada invocou "impedimento legal" sem sustentação jurídica (impossibilidade de realizar pagamentos "fora" do plano de recuperação judicial), a despeito de o crédito do reclamante ostentar evidente e incontestável natureza extraconcursal.

O reclamante foi executado pessoalmente na Justiça Comum, sofreu sérios constrangimentos e foi exposto a situação vexatória perante colegas e familiares.

Essas execuções, inclusive, foram objeto de dezenas de reportagens jornalísticas, tamanha a repulsa causada pela conduta do "Grupo Abril" (docs.anexos).

Todo esse contexto causou sérios danos à sua honra e imagem.

Em 12.11.2018, no cumprimento de sentença n. 0071800- 55.2018.8.26.0100, por exemplo, foi determinado o bloqueio de ativos financeiros do reclamante no elevando valor de R$ 728.485,79; em 18.07.2019 houve nova ordem de bloqueio via BacenJud, agora, no montante de R$ 805.171,64, além de ter sido determinada a pesquisa de outros bens do autor (docs. anexos).

Posteriormente, houve a penhora de bens imóveis do reclamante, dentre os quais, do próprio apartamento em que ele residia (bem de família).

Até mesmo seu genitor, o Sr. Reginaldo Guedes Coelho Lopes, teve veículo penhorado em razão de dívida da 1a reclamada (docs. anexos).

Sem alternativa financeira, o autor teve até mesmo de contar com a solidariedade de amigos, que arrecadaram valores para ajudá-lo a quitar a condenação da ex-empregadora (doc. anexo).

Com isso ele se viu privado de recursos necessários e de natureza alimentar, tendo o seu planejamento financeiro comprometido.

Esse quadro vai muito além de mero aborrecimento ou situação do cotidiano.

Com fulcro nos arts. 5o, V e X, da Constituição, 186 e 927 do Código Civil, 223-A e seguintes da CLT, é o reclamante credor de indenização por danos morais.

A respeito do tema, vale assinalar a inconstitucionalidade do disposto nos incisos do §1o do art. 223-G da CLT.

A norma trazida pela Lei n. 13.467/2017 viola o art. 5o, V e X, da Constituição, bem como o princípio da isonomia de tratamento, ao fixar a indenização a partir do último salário do empregado.

Estabelecida a obrigação de reparar o dano, a indenização deve levar em consideração o porte do ofensor, os reflexos pessoais e sociais da ofensa, além da repercussão pública do fato.

Deve ainda servir de exemplo para que a repugnante conduta não mais se repita, visto que o "Grupo" ofensor – embora sob nova administração, como se verá a seguir – continua a explorar o ramo do jornalismo, contando com centena de empregados jornalistas.

Assim, independentemente da inconstitucionalidade da tarifação trazida com a "Reforma Trabalhista", haverá de ser fixado um valor que atenda aos requisitos acima apontados.

6. Sujeito passivo da obrigação de indenizar. Responsabilização de acionista unitário-controlador e administrador e dos antigos administradores (arts. 116, 117 e 158 da Lei n. 6.404/1976). Desconsideração da personalidade jurídica (arts. 28, caput e §5o, da Lei n. 8.078/1990, 50 do Código Civil).

A responsabilidade pelo crédito do autor – resultante do direito de regresso pela obrigação cumprida em nome de sua ex-empregadora – não é apenas da 1a reclamada.

São também responsáveis, na qualidade de acionistas- controladores e administradores, os Srs. Fábio Soares de Miranda Carvalho, Giancarlo Francesco Civita e Victor Civita.

a) Fábio Soares de Miranda Carvalho

O atual acionista unitário-controlador e administrador do "Grupo Abril" deve ser pessoalmente responsabilizado.

Em dezembro de 2018 foi celebrado "contrato de compra e venda de ações e outras avenças" por meio do qual Giancarlo Francesco Civita, Victor Civita, Roberta Anamaria Civita e "Altius Trading 441 Proprietary Limited" venderam a totalidade das ações e quotas das empresas "Abril" para a "Cavalry Investimentos Eireli", empresa de titularidade do Sr. Fábio Soares de Miranda Carvalho e componente do

"Grupo Fábio Carvalho" ("Grupo FC").

Em razão dessa operação, o Sr. Fábio Carvalho tornou-se acionista controlador e unitário de todas as empresas do "Grupo Abril".

Além de acionista unitário da 1a reclamada, em 17.04.2019 ele também foi eleito "Diretor Presidente" da companhia, cabendo-lhe, pois, "primordialmente a gestão e a administração dos negócios da Sociedade, a supervisão dos trabalhos dos demais Diretores" (art. 19, §1o, do Estatuto Social – docs. anexos).

Em março de 2020, por meio de "incorporação reversa", a 1a reclamada incorporou "Cavalry Investimentos Eireli" (além de outras empresas do "Grupo Abril"), ou seja, a sociedade até então controlada incorporou a própria controladora, adquirente do negócio.

Em razão dessa "incorporação reversa", a "Cavalry Investimentos Eireli" foi extinta e todo seu patrimônio foi absorvido pela 1a ré, empresa em recuperação judicial e sujeita à Lei n. 11.101/2005.

Ora, a manobra societária teve o nítido propósito de "blindar" o patrimônio do Sr. Fábio Carvalho e demais empresas do chamado "Grupo FC" das dívidas das empresas "Abril", o que configura desvio de finalidade e abuso de poder.

Além da operação societária irregular, cuja finalidade foi nitidamente apenas dificultar a cobrança das dívidas das empresas adquiridas, causando prejuízo a todos os credores da "Abril", o Sr. Fábio Carvalho é responsável direto pelo prejuízo causado ao reclamante por tomar a decisão de negar o ressarcimento integral pelas mencionadas condenações judiciais.

Em e-mails enviados ao reclamante pelo Departamento Jurídico do "Grupo Abril", foi reconhecido que a ordem de não pagamento foi dada diretamente pelo Sr. Fábio:

"De: Mariana Macia

Enviada em: quarta-feira, 29 de maio de 2019 17:43

Para: Andre Rizek

Cc: Aline Rocha De Almeida; Alexandre Fidalgo; Candice Buckley; Marcos Vinicius Carnaval; Joao Roberto Lins Rosa

Assunto: Fwd: Execução/Processo André Rizek

Caro André, boa tarde.

Entendemos a sua situação e reiteramos que a Abril Comunicações sempre honrou com o pagamento da condenação

e dos honorários advocatícios relacionados às reportagens

escritas e / ou editadas por seus jornalistas e ex jornalistas e publicadas em seus títulos.

Contudo, atualmente, por força da Recuperação Judicial, a companhia está legalmente impedida de proceder desta forma, pelo menos neste momento.

De todo modo, levaremos a situação ao conhecimento da atual diretoria e retornaremos com a máxima brevidade. Abs., Mariana" (doc. anexo)

"Em ter, 18 de jun de 2019 às 19:45, Mariana Macia <mmacia@abril.com.br> escreveu:

Boa noite, Andre.

Compreendemos a situação e entendemos a sua agonia.

Gostaríamos de reforçar, contudo, que , no momento, a situação da Abril é muito delicada, pois aguardamos a data de designação da Assembléia Geral de Credores que definirá o futuro da companhia e consequentemente dos seus empregados, ex empregados e credores.

Neste momento delicado, todas as atenções estão voltadas para a aprovação do plano que possibilitará a continuidade das atividades da companhia. Além disto, todas as decisões deverão respeitar a isonomia entre os credores, o que torna a avaliação de sua situação mais complexa.

Não obstante tal situação, sua questão foi devidamente endereçada e está sendo detidamente analisada pela Diretoria (ainda não temos um posicionamento formal) e, assim que obtivermos um retorno, reportaremos a você de imediato. Abraços, Mariana" (doc. anexo)

Como se sabe, o pagamento não foi feito.

Vê-se, portanto, que a transferência ilegal de compromisso da ex-empregadora para o empregado é, após a troca do controle, obra direta do Sr. Fábio Carvalho, em total afronta ao art. 2o, caput, da CLT.

Tal conduta evidencia a prática de ato irregular de gestão e contrário à lei.

Agir contra a lei e de forma irregular sujeita o administrador da sociedade anônima a responder pessoalmente, nos termos do art. 158 da Lei n. 6.404/1976.

Consoante art. 117 da Lei n. 6.404/1976, por se tratar de acionista controlador, responde também o Sr. Fábio Carvalho pelos atos praticados com abuso de poder.

Dispõe ainda o parágrafo único do art. 116 da Lei n. 6.404/1976, que o acionista controlador, ao fazer uso de seu poder decisório, deve zelar pela função social da empresa e interesses dos empregados, atuais e antigos. Esse dever, inegavelmente, restou violado.

A responsabilização pessoal do Sr. Fábio Carvalho, acionista (unitário e controlador) e administrador também encontra fundamento nos arts. 28, caput e §5o, do CDC e do art. 50 do Código Civil.

O art. 28, caput e §5o, da Lei n. 8.078/1990 autoriza a desconsideração da personalidade jurídica todas as vezes em que esta for de alguma forma utilizada como empecilho ao ressarcimento de prejuízos causados a terceiros, inclusive nos casos de abuso de direito, excesso de poder, violação à ordem jurídica, e estado deinsolvência causado por atos de má administração.

Trata-se da aplicação da "teoria menor", que, por compatibilidade com o Direito do Trabalho, incide nas relações de emprego.

No mesmo sentido, o art. 50 do Código Civil possibilita que, nas hipóteses de abuso da personalidade jurídica, os bens particulares de administradores sejam atingidos.

Com base nos arts. 116, 117 e 158 da Lei n. 6.404/1976, bem como nos arts. 28 da Lei n. 8.078/1990, 50 do Código Civil, 855-A da CLT, 133 a 137 do CPC, deverá ser desconsiderada a personalidade jurídica da 1a reclamada, com a responsabilização do Sr. Fábio Carvalho, acionista-controlador e Diretor-Presidente da 1a ré.

b) Giancarlo Francesco Civita e Victor Civita

Além do Sr. Fábio Carvalho, também devem ser responsabilizados pelos créditos ora discutidos os anteriores donos e administradores da 1a reclamada, o Sr. Giancarlo Francesco Civita e o Sr. Victor Civita, membros do Conselho de Administração e Diretores da 1a ré até 17.04.2019 (cf. termos de renúncia anexos).

Em dezembro de 2018, Giancarlo Francesco Civita, Victor Civita, Roberta Anamaria Civita e "Altius Trading 441 Proprietary Limited" venderam a totalidade das ações e quotas das sociedades do "Grupo Abril" para a "Cavalry

Investimentos Eireli" pelo irrisório valor de 100 mil reais.

O ato irregular de gestão e a fraude na operação eram tão escancarados que a quantia nem sequer cobria "custos com cartório", segundo revelação do próprio Fábio.

O Sr. Fábio admitiu ainda que "Família Civita" nem sequer discutiu o valor da operação de venda do "Grupo Abril", a qual teria ocorrido ainda que a "Cavalry Investimentos Eireli" tivesse pago R$ 1,00 por todo o "Grupo Abril":

"Meio & Mensagem — A negociação envolveu o valor simbólico de R$ 100 mil à família Civita, confere? Geralmente, esse aporte é muito mais simbólico do que isso, de US$ 1 ou R$ 1.000 (que foi a quantia paga pela Legion ao BTG para adquirir a varejista Leader, em 2016).

Fábio Carvalho — O valor de R$ 100 mil é o idealmente simbólico, geralmente seria até maior, para cobrir custos decartório, para um grupo de escala desse tamanho. EU COLOQUEI COMO R$ 100 MIL E NUNCA FOI DISCUTIDO, ELES NÃO ARGUMENTARAM. SE TIVESSE COLOCADO R$ 1 TERIA PASSADO, portanto perdi R$ 99 mil (risos)… […]." (Disponível em: https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2018/12/21/fabio- carvalho-fala-sobre-a-compra-do-grupo-abril.html – doc. anexo)

Era flagrante a tentativa dos controladores da "Abril", a "Família Civita", personificada nos administradores acima apontados, de montar uma operação de forma de transferir o passivo do "Grupo Abril".

Não se compra um "Grupo" de empresas desse porte e relevância pela quantia de R$ 1,00, R$ 1.000,00 ou R$ 100.000,00. E se, como resultado dessa operação, surge um comprador que não honra as dívidas trabalhistas e ainda realiza nova operação com o objetivo de esconder a própria empresa adquirente, somente se pode estar diante de fraude.

A fraude é ainda revelada não apenas na venda das empresas "Abril" por um preço "simbólico", mas pela estipulação, como "condição" da transferência de controle acionário ao "Grupo FC", de isenção de toda e qualquer responsabilidade os "irmãos Civita" pelo passivo bilionário da "Abril":

"Ao fechar a venda de 100% das ações do Grupo Abril a Fábio Carvalho, negócio anunciado no início da tarde, a família Civita não só sai do comando daquele que já foi um dos maiores grupos editoriais do país, como deixa uma dívida de nada menos que R$ 1,6 bilhão com funcionários, bancos e fornecedores. Mesmo sob o novo controlador os credores da editora devem reaver apenas uma fração daquilo que lhes é devido. Pelos termos do acordo assinado, os irmãos Giancarlo e Victor Civita, netos do fundador do grupo, ficam livres de quaisquer ônus e Fabio Carvalho assume a responsabilidade por todo o endividamento da empresa. Essa foi uma condição da família para aceitar ceder o controle da Abril, que está em recuperação judicial desde agosto." (Valor. 20.12.2018. Família Civita vende Abril e dá calote de R$ 1,6 bilhão. Disponível em; https://valor.globo.com/empresas/noticia/2018/12/20/familia-civita- vende-abril-e-da-calote-de-r-16-bilhao.ghtml – doc. anexo)

A intenção dos antigos donos e administradores de se eximir de toda e qualquer responsabilidade se revela ainda mais abusiva, quando se considera:

a) que a situação de completo desalento em que o reclamante e outros empregados do "Grupo Abril" é fruto de má gestão dos antigos administradores;

b) a notória a capacidade financeira dos Srs. Giancarlo Francesco Civita e Victor Civita, os quais inclusive já figuraram na lista de bilionários da Forbes (docs. anexos);

c) ser fato público e notório que os recursos obtidos graças às atividades das empresas "Abril" não foram empregados para pagamento de suas dívidas trabalhistas.

Menciona-se, a título exemplificativo, a venda do controle da "Abril Educação" para o fundo "Tarpon" em 2015, por meio do qual os vendedores lucraram aproximadamente 1,3 bilhão de reais, sendo que apenas uma pequena parte dessa quantia foi utilizada para fazer frente às dívidas do "Grupo Abril":

"[…] Mas os Civita estão longe de sair de mãos vazias. Em fevereiro de 2015, quase dois anos após a morte do pai Roberto Civita, Giancarlo acertou a venda do controle da Abril Educação, hoje rebatizada como Somos Educação, para o fundo Tarpon por R$ 1,3 bilhão. Em dezembro daquele ano, pressionada pelos bancos credores durante negociação para alongar o perfil da dívida da Abril, a família aportou R$ 450 milhões na empresa. A maior parte do dinheiro da venda do segmento de educação, entretanto, ficou preservada." (Valor. 20.12.2018. Família Civita vende Abril e dá calote de R$ 1,6 bilhão. Disponível em; https://valor.globo.com/empresas/noticia/2018/12/20/familia-civita- vende-abril-e-da-calote-de-r-16-bilhao.ghtml – doc. anexo)

Com base na "teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica" e sendo notória a irregularidade na administração pelos irmãos Civita, o Eg. TRT da 3a Região já houve por bem responsabilizar pessoalmente o 3o reclamado, o Sr. Giancarlo, por dívida da "Treelog S.A. – Logística e Distribuição", empresa do "Grupo Abril":

"2 – FUNDAMENTOS. MANUTENÇÃO DO QUARTO E QUINTO AGRAVADOS NO POLO PASSIVO. O exequente se insurge contra a r. sentença de ID. 3d9d61b, que deu provimento aos embargos à execução apresentados por GIANCARLO FRANCESCO CIVITA e MARCELO VAZ BONINI determinando a exclusão dos embargantes do polo passivo da execução, sob o fundamento da ausência de comprovação da gestão fraudulenta por parte dos referidos embargantes, que atuaram, respectivamente, como administrador e diretor da terceira executada, sociedade anônima. Insiste o agravante na desconsideração da personalidade jurídica da terceira executada, alegando ser desnecessária "a comprovação de abuso ou fraude, nesta especializada, presumindo-se a má-administração dos sócios, e até mesmo de seus diretores/administradores não sócios, dianteda insuficiência patrimonial da 3.a Executada, incontroversa nos autos". Examino. Na hipótese dos autos, conforme foi detalhadamente relatado na r. decisão de origem (ID. 3d9d61b – Pág. 2), o direcionamento da execução contra GIANCARLO FRANCESCO CIVITA e MARCELO VAZ BONINI, respectivamente, administrador e diretor da terceira executada, ocorreu após tentativas de localização de bens penhoráveis da primeira, segunda e terceira rés, sendo certo que os agravados não cuidaram de apontar a localização de bens penhoráveis pertencentes às pessoas jurídicas. Diante deste cenário, conforme entendimento pacificado no âmbito deste regional (Súmula 54, item II/TRT3) é garantido ao credor o prosseguimento da execução em face dos sócios da empresa em recuperação judicial, diante da adoção da Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica (art. 28, da Lei 8.078/90). E, data venia do entendimento de origem, ainda que a terceira ré seja sociedade anônima de capital fechado, é possível a desconsideração de sua personalidade jurídica, com a inclusão no polo passivo da execução de seus sócios ou administradores, independentemente da existência de prova de gestão fraudulenta. Isso porque o Código Civil de 2002 aproximou a sociedade limitada da sociedade anônima de capital fechado. No caso da sociedade anônima de capital fechado, a importância do acionista se aproxima à do sócio na sociedade limitada. E sendo semelhantes a sociedade anônima de capital fechado e a sociedade de pessoas, há que se conferir tratamento similar a essas sociedades, nas situações em que é desconsiderada a personalidade jurídica da empresa. Desta feita, considerando que, naquelas espécies de sociedades, sócio e acionista são figuras que se confundem, a responsabilidade pelo pagamento do débito alcança todos os integrantes do empreendimento, independentemente da cota de participação de cada um ou do exercício do cargo de direção e gestão. Nesse sentido, também, outras decisões deste E. Tribunal: […] No caso, é irrelevante que o quarto e quinto executados tenham ocupado a posição de meros administradores da pessoa jurídica, pois, de acordo com o artigo 50 aqui aplicado, para os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica não se faz distinção entre administradores ou sócios para atingir seus bens particulares. Confira-se: "Art. 50. […]

Pontue-se que eventuais valores que os agravados forem obrigados a pagar na presente ação, por culpa de atos dos demais sócios ou acionistas, devem ser reclamados na via própria, importando, para fins de se reconhecer sua responsabilidade pela dívida exequenda, apenas o fato de que se beneficiaram do trabalho do exequente, que a pessoa jurídica encontra-se insolvente e que os sócios, acionistas ou administradores agiram de modo a permitir que a pessoa jurídica executasse sua atividade econômica descumprindo as normas trabalhistas.

[…] Diante do exposto, dou provimento ao apelo do exequente, para reformar a r. sentença, determinando a manutenção de GIANCARLO FRANCESCO CIVITA e MARCELO VAZ

BONINI no polo passivo da execução, bem como a manutenção do bloqueio de numerário em conta bancária do quinto executado, com a dedução, contudo, do valor do depósito recursal levantado pelo autor através do alvará de ID. 670379c – Pág. 1, tendo em vista o excesso de execução reconhecido na decisão agravada." (fragmento de acórdão – TRT da 3a Região. AP n. 0010315- 13.2018.5.03.0143. Relator: Emerson José Alves Lage. Data da Publicação: DEJT 16.09.2020 – doc. anexo)

Observe-se, por fim, que ainda sob a gestão dos irmãos Civita acima apontados, a 1a reclamada assegurou ao reclamante que as condenações judiciais seriam integralmente arcadas pela empresa (cf. petição e embargos de declaração apresentados no cumprimento de sentença em outubro de 2018, bem como declaração da 1a ré de dezembro de 2018).

Não obstante, essa promessa até hoje não foi cumprida.

Com base nos arts. 116, 117 e 158 da Lei n. 6.404/1976, bem como nos arts. 28 da Lei n. 8.078/1990, 50 do Código Civil, 855-A da CLT, 133 a 137 do CPC, deverá ser desconsiderada a personalidade jurídica da 1a reclamada, responsabilizando-se pessoalmente os Srs. Giancarlo Francesco Civita e Victor Civita, antigos administradores da 1a ré.

7. Sucessão fraudulenta. Arts. 9o, 10 e 448-A da CLT.

A responsabilidade solidária entre o 2o, o 3o e o 4o reclamado também se impõe ante a previsão dos arts. 9o, 10 e 448-A da CLT.

Com a sucessão empresarial, em tese passaria o sucessor a responder pelas obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os

trabalhadores prestaram serviços à empresa sucedida.

Configurada a fraude na sucessão, todavia, sucedido e sucessor devem responder solidariamente pelas dívidas trabalhistas (art. 448-A,parágrafo único, da CLT).

Essa é precisamente a hipótese dos autos.

Os vendedores transferiram o controle acionário de todas as empresas "Abril" à "Cavalry Investimentos" por valor irrisório e que mal servia "para cobrir custos de cartório", como confessado pelo próprio Sr. Fábio Carvalho.

Qualquer valor teria sido aceito pelos antigos donos, que queriam apenas se eximir de qualquer responsabilidade pelo passivo da "Abril".

Com a mudança de controle, "Cavalry Investimentos" passou a ser sucessora.

Segundo os termos do "contato de compra e venda", tal empresa deveria responder exclusivamente pelas dívidas da "Abril", ficando os irmãos Civita isentos de qualquer obrigação.

Pouco tempo depois, no entanto, a empresa sucessora simplesmente deixou de existir, após ter sido incorporada pela 1a ré, empresa em recuperação judicial.

Tornou-se assim empresa absolutamente inidônea (aliás, inexistente!) a arcar com o passivo trabalhista, o que justifica o reconhecimento de fraude.

Em situações análogas, em que há transferência de empresas por valores irrisórios seguida de inadimplemento dos créditos trabalhistas, a jurisprudência tem declarado fraude na sucessão, bem como a sua "ineficácia trabalhista":

"Por seu turno, o contrato de compra e venda (ID be16930- fls. 453/469), demonstra que a empresa SATURNIA foi adquirida (totalidade das quotas) pelo valor simbólico de R$ 1.000,00, (um mil reais), compreendendo a assunção da "total e exclusiva responsabilidade por todo e qualquer passivo e todas as obrigações pecuniárias da Sociedade e da Solution, o pagamento, cumprimento ou quitação de qualquer dívida, reivindicação, gravame, taxa, de qualquer tipo ou natureza…", aí incluídas "todas as reclamações trabalhistas" (fl. 458/459)

Desse modo, em que pesem os argumentos da defesa e toda a documentação juntadas no intuito de demonstrar a legalidade do negócio jurídico e a saúde financeira da primeira reclamada à época da aquisição, como bem ponderou a Origem, os fatos ocorridos nos anos seguintes demonstram que a empresa adquirente não demonstrou capacidade econômica para arcar com as dívidas por ela contraídas, o que refletiu em

inadimplemento dos contratos de trabalho e direitos dos trabalhadores pela primeira reclamada, que requereu recuperação judicial três anos após a aquisição da empresa SATURNIA.

Do que se infere que a assunção de dívidas no importe de R$ 79 milhões gerou consequências nefastas para a sucessora, sendo inclusive alvo de sucessivas reclamações trabalhistas, como noticia a Origem.

Nesse contexto, evidenciada a perda de idoneidade financeira por parte da ALTM para honrar com seus compromissos e

obrigações trabalhistas, exatamente no período posterior à compra da reclamada SATURNIA, em razão de contrato em que a adquirente assumiu expressivo passivo financeiro, incluindo dívidas trabalhistas, em valores bem maiores que o seu próprio capital social, com esteio no art. 9o, 10 e 448 da CLT, impõe-se reconhecer a fraude no negócio jurídico celebrado entre EATON HOLDING S A R L e a empresa ALTM S/A – TECNOLOGIA E SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO.

Comprovada a ilicitude do negócio jurídico, a teor do art. art. 942 do Código Civil e no art. 2o e 448-A, parágrafo único, da CLT, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade solidária das agravantes, integrantes do mesmo grupo econômico."

(fragmento de acórdão – TRT da 15a Região. Órgão Especial. AP n. 0011467-61.2015.5.15.0016. Relator: Antonio Francisco Montanagna Data de Publicação: 14.02.2020)

"Sucessão fraudulenta. Ineficácia trabalhista.

Restando comprovado nos autos que empresa detentora das ações da reclamada alienou a propriedade da reclamada para se livrar de obrigações trabalhistas, confirma-se a fraude contra os direitos dos trabalhadores.

[…] Conforme a cópia do Instrumento Particular de compra e Venda de Ações e Outras Avenças de fls. 215/230, constata-se que a empresa Smilles LLC (proprietária de 100% das ações da Baladare, vendeu a totalidade das ações da Baladare para a 3 reclamada (Arbeit Investimentos S/A) pelo valor simbólico de US$ 1.00 (um dolar americano), fl.216, cl. 2a. a operação tem data de 18.06.2010.

Por outro lado, a Baladare era proprietária de 76,62% do capital social da Imbra (ex-empregadora da reclamante), conforme item A de fl.215.

A referida negociação não pode ser considerada uma sucessão válida e eficaz perante a legislação social, pois revela-se uma completa fraude contra direitos trabalhistas. A Smilles LLC "vendeu" a totalidade das ações da BALADARE para a ARBEIT. Em outras palavras, a recorrente alega que naquele ato se desincumbiu de toda e qualquer responsabilidade pelos passivos da Baladare e Imbra. Até mesmo o valor insignificante da "venda" salta aos olhos como evidência de negócio em prejuízo do quadro de funcionários: "uma empresa por um dólar!"

Mas a situação não é tão singela, pois o ocorrido foi uma medida extrema como tentativa de não arcar com o risco do empreendimento (Imbra) e passar para terceiros suas obrigações."(ementa e fragmento de acórdão – TRT da 2a Região. 3a Turma. RO n. 0002430-28.2010.5.02.0022. Relatora: Ana Maria Contrucci. Data de Publicação: 13.06.2013

Há de ser reconhecida fraude na sucessão, ao menos com relação ao autor, com a consequente condenação solidária do 2o, 3o e 4o réus.

8. Um último aspecto a considerar: quebra de compromisso de empresa jornalística que, no fundo, atinge a liberdade de imprensa e interesse de toda a coletividade.

O caso dos autos revela não apenas um simples inadimplemento de uma empresa perante o empregado.

A quebra da solene promessa, seguida do uso abusivo e impertinente do regime de recuperação, além de obscuras transações societárias, resultando na transferência, para o jornalista-empregado, do risco da atividade econômica,traduz uma grave ameaça ao próprio exercício do jornalismo.

A assunção, pela empresa jornalística, do dever de arcar com as despesas judiciais e condenações sofridas pelo jornalista, encontra fundamento último na própria Constituição Federal.

Não se trata de simples obrigação prevista em norma coletiva ou ajustada pelo empregador.

Também não se reduz a um compromisso que visa pura e simplesmente tutelar interesse dos empregados, mas sim de toda a coletividade.

A imposição de tal dever pela ordem jurídica tem por finalidade concretizar os direitos à liberdade de expressão e comunicação, de acesso à informação e à liberdade de imprensa (arts. 5o, IX e XIV, e 220 da Constituição).

Sem ele, o próprio o exercício da profissão de jornalista (art. 1o do Decreto n. 83.284/1979), tão caro ao Estado Democrático de Direito (art. 1o,caput, da Constituição), estaria comprometido.

A profissão de jornalista envolve, por si só, significativos riscos.

Não raras vezes, pode resultar em expressivas condenações judiciais, em montantes superiores às remunerações percebidas pelos trabalhadores.

Como pode o jornalista exercer com tranquilidade, isenção e altivez o seu ofício, se estiver exposto a assumir o risco da atividade econômica, o qual, por lei, é do seu empregador?

A pergunta dispensa resposta.

Não por outro motivo, ao tomar conhecimento do rumoroso "caso Rizek", a classe jornalística, de diferente veículos e empresas, veio a público manifestar apoio ao autor e aversão à conduta do "Grupo Abril", adotada tanto pelos donos antigos como pelos atuais, que perpetuaram a situação de total perplexidade (doc. anexo).

Permitir que os jornalistas-empregados, cujos atos foram praticados no exercício regular de suas atribuições, respondam por condenações judiciais, equipara-se até mesmo a ato de censura, dada a restrição à liberdade de imprensa e ao próprio exercício do jornalismo.

9. Tutela provisória. Bloqueio de valores. Arts. 300 e 301 do CPC.

O cenário acima narrado confirma a presença, no caso, dos requisitos para a concessão de tutela de urgência, prevista nos arts. 300 e 301 do CPC.

O reclamante, empregado-assalariado, foi constrangido a suportar, pessoalmente, dívida da empregadora.

O seu direito ao ressarcimento é mais do que provável, tendo a 1a reclamada, por diversas vezes, reconhecido a total responsabilidade pelas condenações nas ações indenizatórias n. 0022871-16.2003.8.26.0100 e 0156616- 92.2003.8.26.0100, apenas abusando do regime da recuperação para não cumprir o compromisso legal e contratual.

Diante de todas as manifestações em que confessa a obrigação, seria de todo inadmissível e temerário vir agora querer negar a sua responsabilidade.

Embora reconheça "seu dever de proceder ao pagamento do crédito oriundo das condenações fixadas nos processos em que o Sr. André Rizek Lopes figurou como devedor solidário da empresa" (cf. contranotificação enviada em 25.09.2020), a 1a reclamada apenas alega impossibilidade de ressarcimento integral dos prejuízos sofridos pelo reclamante e a necessidade de observância do plano de recuperação judicial.

Como se viu, porém, o direito do reclamante ao ressarcimento em face da ex-empregadora surgiu apenas no momento em que realizou os pagamentos decorrentes das condenações judiciais.

Como o desembolso ocorreu após o processamento do pedido de recuperação judicial, o seu crédito tem natureza extraconcursal e não se sujeita ao plano de recuperação.

A alegação para o não pagamento, portanto, mostra-se indefensável.

De outro lado, há risco ao resultado útil do processo, caso não concedida a tutela de urgência para bloqueio de bens dos reclamados.

A 1a ré está em recuperação judicial e já demonstrou resistência infundada ao ressarcimento integral do reclamante, além do emprego de artifícios para driblar os compromissos.

No curso da recuperação realizou operações societárias tendentes a encobrir as dívidas trabalhistas dos antigos donos e indevidamente explorar, em favor dos novos, o regime de recuperação.

Enquanto isso nos oito primeiros meses de 2020, a receita líquida de todo o "Grupo Abril" foi de R$ 690.832.000,00, dos quais R$ 215.872.000,00 eram da própria 1a reclamada (cf. pág. 10 do relatório mensal de atividades de outubro/2020 apresentado nos autos n. 1084733-43.2018.8.26.0100).

Isso prova que penhora em valor correspondente à indenização pelos danos materiais ora vindicados preservará o resultado do processo e em nada prejudicará as atividades do "Grupo Abril".

Ademais, o 3o e o 4o réus celebraram negócio bilionário, pelo simbólico valor de R$ 100.000,00, com o único objetivo de transferir o passivo da "Abril", especialmente trabalhista.

O 2o réu também vem se desfazendo de seu patrimônio: em março/2020, o Sr. Fábio Carvalho vendeu 100% das ações da rede Leader pelo ínfimo valor de R$ 1.000,00, operação ocorrida poucos meses após a venda da participação do Sr.

Fábio na empresa varejista "Casa &Vídeo" (docs. anexos).

Em suma, a fim de assegurar futura execução e tendo em vista a situação econômico-financeira dos reclamados, pede-se o bloqueio de seus bens em valor correspondente a R$ 401.498,75, por meio de penhora online.

A medida se impõe até mesmo por uma questão de isonomia e senso mínimo de Justiça.

Tendo o ex-empregado sofrido penhora – sobre valores de caráter alimentar – por dívida da empregadora e em razão da sua omissão, nada mais justo e razoável que os administradores e donos também sofram constrição em seus patrimônios, como forma de se assegurar o direito ao pleno reembolso.

10. Juros e atualização monetária.

Sobre a dívida devem incidir juros de 1% ao mês, desde a data do ajuizamento da ação, de forma capitalizada, nos termos da Lei de n. 8.177/1991.

Dada a inconstitucionalidade da Taxa Referencial (TR), a atualização monetária dos créditos oriundos da presente deverá ser feita com base no índice a ser definido pelo STF no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) n. 58 e 59, e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5867 e 6021, IPCA-E ou Selic (docs. anexos).

11. Pedidos.

Ante o exposto, pede o reclamante:

a) a concessão de liminar, inaudita altera pars, para determinar o bloqueio do valor de R$ 401.498,75, sobre o patrimônio dos réus, mediante penhora online;

b) ao final, a condenação solidária dos reclamados ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 401.498,75;

c) ao final, a condenação solidária dos reclamados ao pagamento de danos morais em valor a ser prudentemente arbitrado por este MM. Juízo.

d) juros e correção monetária com base no IPCA-E ou outro índice a ser definido pelo STF;

e) honorários advocatícios no percentual 15% do valor da condenação.

Pede ainda o reclamante a citação dos reclamados para, querendo, apresentarem contestação.

Protesta o autor por provar o alegado pelos meios legalmente permitidos.

Tendo em vista a decretação do segredo de justiça sobre os autos n. 0071800-55.2018.8.26.0100, pede o reclamante que as cópias do mencionado processo sejam mantidas em sigilo.

Os subscritores da presente declaram serem autênticos, sob as penas de lei, todos os documentos juntados.

Atribui-se à causa o valor de R$ 401.498,75.

Por fim, pede-se que todas as notificações sejam publicadas, exclusivamente, em nome de MAURÍCIO PESSOA, OAB/SP 156.805-B, com escritório na Rua Ministro Jesuíno Cardoso, n. 454, cj. 41, 4o Andar, CEP 04544-051, SãoPaulo/SP.

Maurício Pessoa OAB/SP 156.805-B

Mona Hamad Leoncio OAB/SP 329.381

p. deferimento.

São Paulo, 16 de novembro de 2020.

André Rizek Lopes

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/