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Blog do Juca Kfouri

Eros Grau, ex-ministro do STF, escreve em defesa de André Rizek

Juca Kfouri

22/07/2019 10h00

*** para o Juca Kfouri

Acabo de ler um texto do Juca Kfouri, no seu blog, a respeito do que está a acontecer com o André Rizek. O impulso de escrever a respeito disso é incontrolável. Não como advogado, como cidadão. 

Somos mais de um, sempre. Enquanto juízes e advogados, por exemplo, de um lado vinculados pela Constituição e pelas leis; de outro, enquanto cidadãos, inspirando-nos no sentimento de justiça de cada um de nós. 

Lei e justiça  lex e jus  não se confundem. Tenho insistido nessa distinção, lembrando sempre o que diz, na Bíblia (32,15-17), o profeta Isaias: "O direito habitará no deserto e a justiça morará no vergel. O fruto da justiça será a paz, e a obra da justiça consistirá na tranquilidade e na segurança para sempre". 

Agora, aqui, não resisto ao impulso de  enquanto cidadão gritando por Justiça  escrever as linhas que aí vão. 

A leitura do texto do Juca Kfouri torna evidente que a edição da matéria resultante da tarefa que a Abril passou ao André Rizek foi lastimável. André foi prudente, propôs serenidade e respeito. Inutilmente, no entanto. Publicada a matéria com a sua assinatura, passou a sofrer constrangimentos. 

Processos foram instaurados contra ele e, por conta disso, em cartas que a eleforam entregues, a Abril assumiu a responsabilidade pelas consequências daí resultantes. Mais, é signatária de uma convenção trabalhista formalizada em 2001, nos termos da qual assume a responsabilidade por condenações em ações judiciais nas quais seus jornalistas sejam processados. 

O quanto leio no texto do Juca Kfouri me dá conta de que o André, atendendo a orientação do patrão, guardou silêncio em uma audiência judicial, abrindo mão de seu direito de defesa. 

Posteriormente a Abril entrou em processo de recuperação judicial e, reconhecendo que em razão do quanto estipulado na convenção celebrada com seus jornalistas a dívida é dela, requereu judicialmente fossem as indenizações pleiteadas contra eles incluídas nesse processo. 

Tudo inútil, no entanto. Em um dos processos contra ele instaurados, o André está a sofrer execução, como se a Abril não fosse no caso responsável. 

Se eu cá estivesse a escrever como advogado afirmaria, com todas as letras, que no caso não há abuso da liberdade de imprensa e, pois, razão nenhuma para a imposição de condenação ao André Rizek. Lembraria a ementa de um processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (AI 705630), do qual foi relator o Ministro Celso de Mello. Nela se lê os trechos que me permito em seguida transcrever: 

"A liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativasrelevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito decriticar.

(…) 

O Supremo Tribunal Federal tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático.

Mostra-se incompatível com o pluralismo de idéias, que legitima a divergência de opiniões, a visão daqueles que pretendem negar, aos meios de comunicação social (e aos seus profissionais), o direito de buscar e de interpretar as informações, bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes. Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação, a repressão à crítica jornalística, pois o Estado – inclusive seus Juízes e Tribunais – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da Imprensa" (grifos e negritos no original). 

O quanto leio no artigo 220 da nossa Constituição tudo diz. A informação jornalística não pode sofrer qualquer restrição que extrapole o quanto nela disposto, a esse respeito tudo dizendo a ementa do acórdão do STF acima transcrito. 

Permito-me apenas, ao cabo destas linhas, lembrar o quanto afirmei em outro texto meu, citando Bernd Rüthers: poderia um Estado, poderia uma democracia existir sem que os juízes fossem servos da lei? 

EROS GRAU

 

AQUI o texto que motivou a carta de Eros Grau.

A informação nova é a do bloqueio de 805 mil reais da conta de Rizek na última sexta-feira (19). A execução já começou.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/