O herói e o assassino
POR JOÃO BATISTA FREIRE*
Quando eu tinha doze anos de idade a TV Tupi lançou um seriado chamado O Vigilante Rodoviário. Era um de nossos heróis. Já tínhamos uma boa imagem a respeito da Polícia Rodoviária e, com o seriado, ela melhorou. As crianças da época que viam o seriado faziam brincadeiras imitando o vigilante rodoviário, e quando víamos policiais rodoviários nas estradas sentíamos admiração por eles.
Cresci nutrindo respeito por esses policiais e, mesmo quando testemunhávamos alguma truculência por parte de outros policiais, deixávamos fora de nosso julgamento a polícia rodoviária. Com o passar do tempo, aqui e ali ouvíamos falar de alguns casos de truculência ou de corrupção da polícia rodoviária, mas eram poucos e isso não diminuía nossa admiração por ela. Mesmo durante os anos mais duros da ditadura a imagem da polícia rodoviária foi preservada pela população.
Nos últimos dias, sempre que abro o noticiário na TV ou na Internet, além da chacina praticada pela polícia no Rio de Janeiro, o que mais se destaca é o assassinato, por asfixia, praticado pela Polícia Rodoviária Federal, de Genivaldo de Jesus Santos, um homem de 38 anos, esquizofrênico, que tomava remédios controlados há 20 anos. Seu crime? Dirigia uma moto sem capacete, algo que o presidente da república faz constantemente em suas exibições públicas. A maneira bárbara como Genivaldo foi assassinado chocou os brasileiros e brasileiras que conservam um mínimo de humanidade.
No final de minha infância um de meus heróis era um vigilante rodoviário. O herói de meu neto pode ser um assassino rodoviário? A Polícia Rodoviária Federal participou da chacina de pessoas pobres da Vila Cruzeiro no Rio de Janeiro. Dias depois assassinou com requintes de fazer inveja a Auschwitz, Genivaldo de Jesus Santos. Torna-se, aos poucos, o braço carniceiro do atual governo federal? É essa a imagem que pretende passar à população, principalmente às crianças, que já tiveram um vigilante rodoviário da polícia de São Paulo como herói?
*João Batista Freire é professor Livre Docente aposentado da Unicamp, além de ter trabalhado na USP e na Universidade Federal da Paraíba e na Universidade Estadual de Santa Catarina, e autor de diversos livros sobre Educação Física e Esporte.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/