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Blog do Juca Kfouri

Quarenta anos de uma rivalidade carioca (6x0 para cá, 6x0 para lá)

Juca Kfouri

27/11/2021 09h52

POR BERNARDO PASQUALETTE

O ano era 1997. Mais precisamente 6 de abril. Num domingo chuvoso, Botafogo e Flamengo se enfrentariam pela Taça Rio, segundo turno do Campeonato Carioca.

O alvinegro estava embalado pela melhor campanha já vista em uma Taça Guanabara – 12 jogos e 12 vitórias, incluindo a histórica vitória sobre o Flamengo de Romário e Sávio com um time de reservas. Aquele confronto, tendo como pano de fundo a ressaca rubro-negra pela derrota para os suplentes do Botafogo na última vez em que se encontraram, prometia fortes emoções para os quase 20.000 pagantes que se aventuraram a comparecer ao Maracanã naquela tarde fria do outono carioca.

Eis que o inusitado acontece. Em um confronto que prometia ser equilibrado, antes dos 20 minutos do primeiro tempo o Botafogo abriu boa vantagem – 2×0, gols de Sorato e Aílton (a partida terminaria empatada em 2×2). Refletindo a estupefação que invadira o maior estádio do mundo diante da veloz vantagem adquirida pelo Botafogo em um clássico que se supunha disputado, a Rádio Globo entrevistou Russão, folclórico torcedor alvinegro, que foi direto em seu recado: "Vamos devolver os 6×0, hoje é o dia!".

Rememorava, assim, um capítulo à parte da histórica rivalidade entre rubro-negros e alvinegros cariocas. Iniciado em 1972, quando no aniversário do Flamengo, o Botafogo "presenteou" o maior rival com uma impiedosa goleada por 6×0 – com show de Fischer e Jairzinho. Uma curiosidade sobre esse primeiro confronto: na tradicional foto do time do Botafogo posando antes do clássico, há crianças trajando camisas dos grandes clubes do Rio de Janeiro – inclusive do próprio Flamengo. Imagem viva de uma rivalidade sadia, vivida com fidalguia e que sobrevive ao tempo.

Em realidade, retrato altivo de um tempo que não volta mais.  

Desde então, O Flamengo sempre acalentou o desejo genuíno de devolver o score ao rival. Uma geração rubro-negra teve que engolir uma faixa singela exposta no guarda-corpo das arquibancadas do Maracanã antes de qualquer choque entre os rivais: "Adoramos vo6".

Para Zico, o Botafogo sempre foi a pedra no sapato do Flamengo, o time "que sentia mais raiva", em suas próprias palavras. O humorista Bussunda compartilhava o mesmo sentimento, inspirado pelo doloroso 6×0, como revelado em recente documentário sobre a sua vida. Ainda resquício do poderosíssimo Botafogo do final da década de 1960 e início da década de 1970, aquele, em realidade, era o espírito de uma época.

Na década de 1980, no entanto, tudo seria diferente. Por completo. Recontratado pelo Botafogo no segundo semestre de 1981, já no último suspiro de sua vitoriosacarreira, o eterno ídolo alvinegro Jairzinho chegou a Marechal Hermes disparando: "Ainda sou o carrasco do Flamengo". Não era mais. O tempo, em pouco tempo, assim revelaria.

Assim, há exatos quarenta anos (em novembro de 1981), o Flamengo devolveria o histórico placar: 6×0, em uma tarde inspirada de Zico e companhia. Nada indicava aquele placar tão elástico. No Campeonato Brasileiro daquele ano, o Botafogo eliminara o Flamengo nas quartas de final por 3×1, em partida que ficara marcada pelo desconcertante drible "baila comigo" de Mendonça em Júnior. Já no Campeonato carioca de 1981, nas duas partidas anteriores entre as equipes, um empate em 0x0 e uma vitória alvinegra por 2×1.

Porém, na tarde de 8 de novembro, não houve jeito. Tudo aquilo que poderia dar certo para o Flamengo, certo deu. A partida estava 5×0 para o rubro-negro até os 42 minutos do segundo tempo, em verdadeira batalha campal entre os jogadores – os alvinegros tentavam ardorosamente evitar a devolução do placar de 6×0. No final, um golaço de Andrade deu números finais à partida.

A partir daquele dia, a faixa "adoramos vo6" nunca mais seria vista no Maracanã.

Nos últimos quarenta anos, a rivalidade viveu momentos de efervescência sazonais. Nos períodos compreendidos entre 1989-1992 e 2007-2010 teve seus momentos mais acentuados – com partidas bastante disputadas, muitas polêmicas, mas sem repetir o icônico placar.

Com o retorno do Botafogo à elite do futebol brasileiro em 2022, espera-se que a tradicional rivalidade possa reviver seus grandes períodos de outrora, afinal a rivalidade local faz muita falta ao torcedor, aos clubes e ao próprio futebol.

Que não deixemos esse sentimento sadio morrer.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/