Quarenta anos de uma rivalidade carioca (6x0 para cá, 6x0 para lá)
POR BERNARDO PASQUALETTE
O ano era 1997. Mais precisamente 6 de abril. Num domingo chuvoso, Botafogo e Flamengo se enfrentariam pela Taça Rio, segundo turno do Campeonato Carioca.
O alvinegro estava embalado pela melhor campanha já vista em uma Taça Guanabara – 12 jogos e 12 vitórias, incluindo a histórica vitória sobre o Flamengo de Romário e Sávio com um time de reservas. Aquele confronto, tendo como pano de fundo a ressaca rubro-negra pela derrota para os suplentes do Botafogo na última vez em que se encontraram, prometia fortes emoções para os quase 20.000 pagantes que se aventuraram a comparecer ao Maracanã naquela tarde fria do outono carioca.
Eis que o inusitado acontece. Em um confronto que prometia ser equilibrado, antes dos 20 minutos do primeiro tempo o Botafogo abriu boa vantagem – 2×0, gols de Sorato e Aílton (a partida terminaria empatada em 2×2). Refletindo a estupefação que invadira o maior estádio do mundo diante da veloz vantagem adquirida pelo Botafogo em um clássico que se supunha disputado, a Rádio Globo entrevistou Russão, folclórico torcedor alvinegro, que foi direto em seu recado: "Vamos devolver os 6×0, hoje é o dia!".
Rememorava, assim, um capítulo à parte da histórica rivalidade entre rubro-negros e alvinegros cariocas. Iniciado em 1972, quando no aniversário do Flamengo, o Botafogo "presenteou" o maior rival com uma impiedosa goleada por 6×0 – com show de Fischer e Jairzinho. Uma curiosidade sobre esse primeiro confronto: na tradicional foto do time do Botafogo posando antes do clássico, há crianças trajando camisas dos grandes clubes do Rio de Janeiro – inclusive do próprio Flamengo. Imagem viva de uma rivalidade sadia, vivida com fidalguia e que sobrevive ao tempo.

Em realidade, retrato altivo de um tempo que não volta mais.
Desde então, O Flamengo sempre acalentou o desejo genuíno de devolver o score ao rival. Uma geração rubro-negra teve que engolir uma faixa singela exposta no guarda-corpo das arquibancadas do Maracanã antes de qualquer choque entre os rivais: "Adoramos vo6".
Para Zico, o Botafogo sempre foi a pedra no sapato do Flamengo, o time "que sentia mais raiva", em suas próprias palavras. O humorista Bussunda compartilhava o mesmo sentimento, inspirado pelo doloroso 6×0, como revelado em recente documentário sobre a sua vida. Ainda resquício do poderosíssimo Botafogo do final da década de 1960 e início da década de 1970, aquele, em realidade, era o espírito de uma época.
Na década de 1980, no entanto, tudo seria diferente. Por completo. Recontratado pelo Botafogo no segundo semestre de 1981, já no último suspiro de sua vitoriosacarreira, o eterno ídolo alvinegro Jairzinho chegou a Marechal Hermes disparando: "Ainda sou o carrasco do Flamengo". Não era mais. O tempo, em pouco tempo, assim revelaria.
Assim, há exatos quarenta anos (em novembro de 1981), o Flamengo devolveria o histórico placar: 6×0, em uma tarde inspirada de Zico e companhia. Nada indicava aquele placar tão elástico. No Campeonato Brasileiro daquele ano, o Botafogo eliminara o Flamengo nas quartas de final por 3×1, em partida que ficara marcada pelo desconcertante drible "baila comigo" de Mendonça em Júnior. Já no Campeonato carioca de 1981, nas duas partidas anteriores entre as equipes, um empate em 0x0 e uma vitória alvinegra por 2×1.

Porém, na tarde de 8 de novembro, não houve jeito. Tudo aquilo que poderia dar certo para o Flamengo, certo deu. A partida estava 5×0 para o rubro-negro até os 42 minutos do segundo tempo, em verdadeira batalha campal entre os jogadores – os alvinegros tentavam ardorosamente evitar a devolução do placar de 6×0. No final, um golaço de Andrade deu números finais à partida.
A partir daquele dia, a faixa "adoramos vo6" nunca mais seria vista no Maracanã.
Nos últimos quarenta anos, a rivalidade viveu momentos de efervescência sazonais. Nos períodos compreendidos entre 1989-1992 e 2007-2010 teve seus momentos mais acentuados – com partidas bastante disputadas, muitas polêmicas, mas sem repetir o icônico placar.
Com o retorno do Botafogo à elite do futebol brasileiro em 2022, espera-se que a tradicional rivalidade possa reviver seus grandes períodos de outrora, afinal a rivalidade local faz muita falta ao torcedor, aos clubes e ao próprio futebol.
Que não deixemos esse sentimento sadio morrer.
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Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/