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Blog do Juca Kfouri

Profissionalize-me ou te devoro

Juca Kfouri

29/11/2021 00h48

POR VICENTE PITHON*

Como já de hábito, em mais uma rodada do Brasileirão ocorreram erros grotescos de arbitragem.

Em um deles, no pênalti marcado a favor do Atlético-MG no jogo contra o Fluminense, o VAR chama o árbitro (o protocolo diz que só deve fazê-lo em lances absolutamente claros) e sugere a marcação de uma penalidade máxima que, no limite da boa vontade, seria questionável. Na partida Flamengo x Bahia, há algumas semanas, deu-se o contrário: o VAR chama para alertar o árbitro de uma marcação equivocada e ele ignora o apelo. Variações do mesmo tema sem sair do tom.

Somente na atual temporada, erros de igual proporção, ou até mais absurdos, aconteceram mesmo com o auxílio luxuoso de uma equipe na cabine do VAR, com acesso a recursos de imagem e grafismo. O que acontece?

A resposta é mais do que óbvia, foi dada por Cuca após o jogo e está na boca de nove entre dez atores ligados ao futebol (ao menos quando se sentem prejudicados): a não-profissionalização da categoria.

Ora, mesmo em uma atividade que movimenta bilhões de reais, com atletas, treinadores e inúmeros outros ofícios atrelados ao esporte em alto nível de dedicação e profissionalismo, os árbitros, embora figuras centrais e decisivas no jogo, continuam como amadores informais, a maioria em busca de um "troco" ou bico a complementar suas rendas.

Sem formação teórica adequada e prática intensiva, não há como cobrar desses seres humanos a excelência exigida no esporte de alto rendimento, onde atletas se dedicam à exaustão, e de maneira exclusiva, ao desenvolvimento do jogo.

Tal desproporção em preparo e dedicação tem trazido sérios danos e questionamentos à imagem e ao andamento regular das competições brasileiras.

Aos árbitros, parte fundamental da engrenagem esportiva, cabem a proteção da integridade e do bom andamento do jogo.

Sem a expertise necessária para esse comando, o próprio nível técnico do espetáculo tende a cair, com jogadores desprotegidos do cumprimento da regra e repercussões diretas em queda de interesse e receitas.

Nossos dirigentes, a maior parte igualmente amadores, apenas enxergam e denunciam o problema quando aperta no próprio calo individual.

O silêncio obsequioso brinda o erro favorável de hoje, assim como a indignação vocifera e clama punição contra o erro contrário de amanhã.

Até quando?

A atual legislação classifica o árbitro como "autônomo". Há propostas à mesa de profissionalização por imposição legal, como o PL nº 864, que estabelece vínculo empregatício entre árbitros e auxiliares e as entidade desportivas às quais estão vinculados.

Enquanto isso, nas principais ligas americanas e europeias, cientes da importância da arbitragem para o nível do jogo, há contratos formais de trabalho e os salários são bastante razoáveis.

Por aqui, amadores formados em outras profissões recebem cachês eventuais pagos em papel de pão. Até quando?

*Vicente Pithon é Consultor Legislativo do Senado Federal.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/