Profissionalize-me ou te devoro
POR VICENTE PITHON*
Como já de hábito, em mais uma rodada do Brasileirão ocorreram erros grotescos de arbitragem.
Em um deles, no pênalti marcado a favor do Atlético-MG no jogo contra o Fluminense, o VAR chama o árbitro (o protocolo diz que só deve fazê-lo em lances absolutamente claros) e sugere a marcação de uma penalidade máxima que, no limite da boa vontade, seria questionável. Na partida Flamengo x Bahia, há algumas semanas, deu-se o contrário: o VAR chama para alertar o árbitro de uma marcação equivocada e ele ignora o apelo. Variações do mesmo tema sem sair do tom.
Somente na atual temporada, erros de igual proporção, ou até mais absurdos, aconteceram mesmo com o auxílio luxuoso de uma equipe na cabine do VAR, com acesso a recursos de imagem e grafismo. O que acontece?
A resposta é mais do que óbvia, foi dada por Cuca após o jogo e está na boca de nove entre dez atores ligados ao futebol (ao menos quando se sentem prejudicados): a não-profissionalização da categoria.
Ora, mesmo em uma atividade que movimenta bilhões de reais, com atletas, treinadores e inúmeros outros ofícios atrelados ao esporte em alto nível de dedicação e profissionalismo, os árbitros, embora figuras centrais e decisivas no jogo, continuam como amadores informais, a maioria em busca de um "troco" ou bico a complementar suas rendas.
Sem formação teórica adequada e prática intensiva, não há como cobrar desses seres humanos a excelência exigida no esporte de alto rendimento, onde atletas se dedicam à exaustão, e de maneira exclusiva, ao desenvolvimento do jogo.
Tal desproporção em preparo e dedicação tem trazido sérios danos e questionamentos à imagem e ao andamento regular das competições brasileiras.
Aos árbitros, parte fundamental da engrenagem esportiva, cabem a proteção da integridade e do bom andamento do jogo.
Sem a expertise necessária para esse comando, o próprio nível técnico do espetáculo tende a cair, com jogadores desprotegidos do cumprimento da regra e repercussões diretas em queda de interesse e receitas.
Nossos dirigentes, a maior parte igualmente amadores, apenas enxergam e denunciam o problema quando aperta no próprio calo individual.
O silêncio obsequioso brinda o erro favorável de hoje, assim como a indignação vocifera e clama punição contra o erro contrário de amanhã.
Até quando?
A atual legislação classifica o árbitro como "autônomo". Há propostas à mesa de profissionalização por imposição legal, como o PL nº 864, que estabelece vínculo empregatício entre árbitros e auxiliares e as entidade desportivas às quais estão vinculados.
Enquanto isso, nas principais ligas americanas e europeias, cientes da importância da arbitragem para o nível do jogo, há contratos formais de trabalho e os salários são bastante razoáveis.
Por aqui, amadores formados em outras profissões recebem cachês eventuais pagos em papel de pão. Até quando?
*Vicente Pithon é Consultor Legislativo do Senado Federal.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/