Êxtase e agonia - Uma hipocrisia à brasileira, do Baile da Favela à falta de esgoto

POR JOSÉ LUIZ PORTELLA
O sorriso alegre de Rebeca se estende por toda face e alcança o olhar. Os olhos se contraem gostosamente e tendem a cativar. Houve um impulso de felicidade e realização em toda a Nação, além da medalha, há as protagonistas, que vivem em país onde o feminicídio é constante.
Agora sabemos todos quem é a Fadinha do Skate, os degraus de Imperatriz no Maranhão, onde brincava de Fada, a "panelada" que comia, as expressões de dona Rosa , mãe de Rebeca, que passou anos nos fundos de um quintal em Guarulhos, e os detalhes das contusões de Maira.
O país se exprime em júbilo e parece que vamos encontrar o Eldorado Tropical, que os aventureiros da Europa sonhavam quando abordavam seus barcos rumo ao sonho de um Mundo Novo.
Porém, logo logo, dia seguinte às Olimpíadas, começa o mesmo ciclo de esquecimento e abandono, que distingue não só a história de nosso esporte olímpico como de todo esporte.
Desde a falta do esporte na escola, do esporte universitário aos Nuzmans, que a elite carioca, sabendo quem ele era, cacifou e reforçou enquanto ele foi útil. O anfitrião do blog cansou de avisar.
O imediatismo que nos caracteriza, toma rapidamente um chá de passagem e todas aquelas loas aos campeões no Olimpo se vão com o vento como na canção de Bob Dylan.
Além do imediatismo há um cinismo crônico que nos afeta terrivelmente, exponenciado pela elite empresarial que vai retirando patrocínio, vai escorregando pelas bordas, como o olhar daquele banqueiro que escreve no jornal a favor da água encanada, da energia elétrica e da paz mundial, e não comete um gesto para aliviar os juros dos brasileiros, atrás de um lucro maior do que o anterior, e segue cada vez acumulando mais, insensível como uma rocha.
No fundo, a única que coisa que deseja dizer nas colunas, como recado subliminar, é que devamos efetuar um ajuste fiscal, reduzir o Estado, e solicitar mais um pouco de sacrifício da população, enquanto o lucro aumenta e as contas nacionais ficam bem, e a Nação mal.
É só mais um exemplo, inclusive de empresários que repetem a mesma desesperança aos que lutam por algum apoio financeiro, no início, quando Rebeca era nada famosa e se debatia com as dificuldades de ter muitos irmãos e ser sustentada por mãe solo, na ponta da pobreza nacional.
Enquanto foi preciso que uma técnica, ao descobrir o talento de Rebeca a levasse morar em sua própria casa para que ela tivesse oportunidade de um treinamento melhor.
Mas, não é cínica só a elite, tem muito mais em nossa sociedade que aceita docemente constrangida uma desigualdade vergonhosa, que é a origem de muitos sofrimentos e alimentadora de mais privilégios.
Dos funcionários de alto padrão, que se utilizam do movimento sindical para manutenção de sua prebendas, da turma do Judiciário que busca auxílio-moradia em sua própria cidade onde tem mais de um apartamento próprio, de todos os dribles no Teto Salarial, os auxílios-penduricalhos, enquanto os banqueiros lutam pelo Teto de Gastos e vão vacinar a família no Exterior em jatos particulares. Com direito ao sol caribenho.
Rebeca vai ser badalada pro mais uns meses, afinal não é comum uma medalha de ouro olímpica, mas, adiante entrará em mais um ciclo olímpico do esquecimento, e o Baile da Favela, que desperta nos brasileiros um orgulho fugaz de superação, como um símbolo de quem veio da pobreza para o pódio da glória, que chama os favelados de comunidade no Carnaval, e depois assente facilmente com a violência que adentra a favela e consente com a falta de esgoto que atinge quase 50% dos brasileiros. Por trás dos muros dos condomínios com piscina.

Do Baile da Favela à falta de esgoto há um rio de hipocrisia, que é o maior veículo de sustentação de nossa vergonha da diferença de padrão de vida das rebecas que não tiveram a oportunidade de se encontrar com a sorte.
Tristes trópicos, um país do futuro, sempre do futuro.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/