O Corinthians e a contabilidade criativa
POR PAULO EGREJA

Escrevo, logo sou de humanas. Ato contínuo, também sou péssimo em matemática. E se entender as finanças dos clubes de futebol já é naturalmente complicado para mim, o que dizer das finanças do futebol brasileiro, que desafiam a lógica.
Na falta de termos técnicos, trabalho com metáforas: imagine que você tem um custo de vida de 10 mil por mês e entra numa crise financeira. Você decide, então, vender o carro para se livrar do financiamento, e seu custo mensal cai para 8 mil por mês. Na minha inocente cabeça de leigo, você apenas diminuiu seu custo ( e ainda está em crise). De maneira alguma essa redução significa que, agora, você tem 2 mil reais para gastar em outra coisa todo mês, correto?
O que nos leva ao Corinthians.
O exemplo que citei acima é basicamente a explicação que a torcida corinthiana tem dado para as contratações de Renato Augusto, Giuliano e cia; ou seja, o time está usando o espaço criado na folha com a dispensa de outros atletas para contratar novos jogadores. Faria todo sentido, se o clube não estivesse completamente endividado.
A atual diretoria alvinegra (que, na verdade, é a mesma há muito tempo) assumiu com a proposta de reduzir gastos. Isso já foi para o espaço. O clube não está diminuindo sua dívida, apenas substituindo, e isso partindo do princípio de que as contratações atuais não custarão ainda mais do que os atletas anteriores. Afinal, nós sabemos como as coisas funcionam e não existe mentira maior no atual universo futebolístico do que "o atleta veio de graça". Mesmo que digam que estão no teto salarial, as luvas diluídas e comissões podem elevar o custo mensal deles à casa dos milhões.
Obviamente, a torcida já embarcou na onda, por uma questão óbvia: todo mundo quer ver seu time com bons jogadores. No entanto, é importante manter o senso crítico.
O futebol brasileiro tem essa figura curiosa que é o "defensor de cartola", o sujeito que acha que defender seu dirigente é defender o clube, quando, muitas vezes, é justamente o contrário – você deveria estar brigando para tirá-lo de lá. O Cruzeiro é o melhor exemplo. À cada nova denúncia ou questionamento das finanças do clube, as caixas de comentários eram lotadas por torcedores em defesa da contabilidade criativa celeste, repetindo frases prontas de dirigentes: "o dinheiro vem daqui", "vai cair uma grana dali", "vocês são anti" e etc. Deu no que deu. O Corinthians não é o Cruzeiro – tem mais torcida, mais audiência e mais força política – e justamente por isso consegue sempre esticar a corda. Mas é assim que o torcedor alvinegro quer viver?
Se der a lógica, o caminho corinthiano deve ser o mesmo dos últimos anos: monta um time além das suas possibilidades, aumenta a divida, talvez dispute ou até ganhe um título, e então a situação se torna insustentável, todo mundo vai embora, e voltam os elencos horríveis. Aí começa tudo de novo. Imagino que o torcedor queira mais que isso.
Eu não vou dizer que é para a torcida cantar "não quero Renato Augusto, eu quero é pagar boleto", até porque sou palmeirense e contribuí com a vaquinha do Wesley, portanto qual a minha moral para dizer o que os outros devem fazer? Mas é essencial que os torcedores não caiam no papo de dirigente e nem no auto-engano: Renato Augusto, Giuliano e Roger Guedes são excelentes para o clube dentro de campo, mas eles não estão vindo de graça, nem são frutos de nenhuma economia. Pelo contrário, eles significam a perpetuação do modelo de gestão que levou o clube ao estado financeiro que está. Se quiser mais do que isso, a torcida tem que continuar questionando e protestando; se estão satisfeitos com a atual situação, então já pode bater palma.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/