Tecla SAP, por favor!
POR RICARDO PORTO*
Em essência, o esporte é competição. As Olimpíadas são competição no mais alto nível.
Competir envolve determinação, preparo técnico e habilidades específicas. Por exemplo, lidar com todo tipo de pressão: dos adversários, da mídia, da torcida, dos treinadores e, maior do que todas, a pressão pessoal por desempenho e resultados.
São elementos inerentes, indissociáveis de qualquer competição esportiva, olímpica ou não. Da Série D à final dos 100 metros rasos nos jogos de Tóquio. Da várzea ao Dream Team. Qualquer esportista conhece a pressão psicológica, emocional e aprendeu a lidar com ela.
Por favor, informem aos narradores e comentaristas dos Jogos de Tóquio.
– Tirou um caminhão das costas!
– É um peso enorme nos ombros de fulano!
– É muita pressão, amigo!
É, sim. É muita pressão. Como deve ser enorme a pressão nos bastidores das emissoras para que narradores e comentaristas se preparem direito, vistam-se iguaizinhos naqueles indefectíveis uniformes e não cometam gafes durante horas descrevendo competições de esportes que quase nunca aparecem na telinha para o grande público. É gente falando no ouvido, cartilhas a seguir, deixas comerciais, páginas de informação online, nomes complicados. É muita pressão, acreditem.
Tanta pressão que a forma de alívio dos narradores é fazer a transferência – Freud, explica! – para os atletas.
Logo quem.
No evento dos eventos esportivos do planeta, a quase totalidade dos atletas está mais do que acostumada a pressões internas e externas. Para chegar a uma Olimpíada, todos passaram por etapas classificatórias, eliminatórias, viagens, lesões, broncas, tristezas, alegrias e, certamente, muita pressão interior. São seres humanos especiais, acostumados à competição diária.
– Segura a pressão, fulano!
Para o telespectador, não fazem o menor sentido, nem acrescentam nada em informação, os sucessivos brados de narradores:
– Aguenta, Brasil!
O Brasil está aguentando, pessoal. Aguentando pressões muito maiores ainda. Uma pandemia infindável que nos custa centenas de milhares de vidas. A fome batendo à porta de 35 milhões de miseráveis. As mentiras diárias de um presidente sem noção.
E a ausência da tecla SAP.
Aquele botão mágico que permitiria ao mortal telespectador desfrutar apenas a excelência do áudio ambiente captado nas competições. Sem que uma pessoa nos fique lembrando das pressões do mundo.
Fica a dica.Obrigado. Bons jogos! Cuidado com a covid. Usem máscaras e não se aglomerem!
*Ricardo Porto é jornalista.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/