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Blog do Juca Kfouri

Planeta Flamengo

Juca Kfouri

18/07/2021 12h01

POR MAURO C. BANDEIRA DE MELLO*

 Ainda não sei de onde vem o sentimento de ser Flamengo. Não dou muita bola para laços consanguíneos, portanto, não atribuo a doença, essa paixão, seja lá o que for à genética dos Silva, dos Santos, dos Antunes ou dos Bandeira de Mello. É certo que o ambiente familiar pesa, mas, em muitos casos, justamente para fazer o oposto. Na minha infância, nada me deixava mais empoderado – para usar a expressão da moda – do que desafiar meus irmãos, ameaçando-os de torcer para o Fluminense ou para o Vasco. Mas mantive-me rubro-negro e, a essa altura do campeonato, acho difícil mudar.

Comecei a frequentar os estádios na Era Zico. No início, ia ao Maracanã pela farra, para tomar sorvete, falar palavrão e comer cachorro quente. Mas os times que vi jogar a partir de meados dos anos 1970 me fizeram gostar de futebol e fui abduzido para o planeta vermelho e preto, aquele povoado de alienígenas de todas as cores e sotaques. Muitos pobres, alguns ricos e onde pouca coisa é racional. Mas, ultimamente, esse sentimento está conturbado. Os atuais dirigentes do Flamengo, como pessoas físicas, têm todo direito de apoiarem o político que quiserem, mas a imagem do Flamengo, sua bandeira e a sua camisa mágica não podem ser associadas a qualquer "coiso", a zombeteiros que dividem a nação, debocham das instituições e dos adversários. 

E o que fazer? Deixar de ser Flamengo? Juro que tento torcer contra. Outro dia, disse que fiquei feliz com a capitulação no último Fla-Flu, sobretudo, pelo fato de ter acontecido em São Paulo. Ora, Fla-Flu fora do Rio equivale à Mangueira desfilar nos Champs-Elysées. Mas foi mentira e continuo longe de compreender a razão (ou a falta dela) de ser Flamengo, mesmo quando os seus dirigentes, eventual técnico ou jogador sejam odiosos. Os franceses não deixaram de ser franceses depois da invasão alemã, ainda que muitos tenham colaborado com os nazistas. Os dirigentes dos paises e dos clubes passarão – o que o grande Nelson Rodrigues já disse em tom de profecia: "Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará à camisa, aberta no arco. E diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável." Quem sabe, depois, a camisa canarinho segue o exemplo?

*Mauro C. Bandeira de Mello é Assessor Técnico Parlamentar na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e especialista em Direito Econômico Internacional pela PUC-RJ.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/