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Blog do Juca Kfouri

Os escolhidos - das alegrias indescritíveis dessa vida

Juca Kfouri

30/07/2021 15h31

Estamos em 2021 e nada poderia ser mais emblemático. Justamente no ano queinvoluntariamente remete ao longo período sem títulos do Botafogo (1968-1989) chegará às livrarias "1989 – O Escolhido", livro que descreve a epopeia alvinegra para quebrar o indesejado jejum de 21 anos sem celebrar a maior glória que o futebol pode proporcionar – um título de campeão. 

Escrito pela jornalista Aline Bordalo em parceria com o ponta-direita Maurício – autor do tento que livrou o Botafogo do indesejado jejum – na narrativa há muito mais do que o tortuoso caminho que levou o Botafogo (e sua torcida) a deixarem aquele ciclo derrotista para atrás. Muito mais mesmo. Em cerca de 200 páginas vai contada a história de um sofrimento – atrevo-me a especular – que poucas torcidas de futebol vivenciaram com a mesma intensidade que a alvinegra viveu.

Só quem é Botafogo entende. Tanto esse amor quanto essa dor.

Essa parceria entre um jogador e uma jornalista propicia à obra sua singularidade – pouco comum em livros sobre futebol. Através do ponto de vista de um dos protagonistas daquela campanha gloriosa se reconstitui em seus pormenores os bastidores de uma das conquistas mais simbólicas não apenas do Botafogo, mas do próprio futebol brasileiro.

Basta lembrar que o título regional foi notícia no Brasil e no mundo, chamando a atenção da imprensa internacional. O glorioso clube de Garrincha, Nílton Santos, Jairzinho, Gérson e tantos outros heróis imortalizados por suas conquistas na seleção brasileira voltava a ser campeão depois de longos 21 anos.

Pouca coisa não foi.

É essa história que Aline e Maurício nos revelam dos grandes temas às miudezas. A narrativa é intensa, com um toque de humanidade ímpar que a difere de uma obra futebolística comum. Basta citar – e aqui vai um pequeno spoiler – a história do pai que, afastado de casa havia alguns anos, se reconciliou com a família após a conquista. Pela primeira vez pai e filhos comemorariam um título juntos. Em verdade, foi uma reconciliação com o próprio passado. Duplamente. Há alegrias que só o futebol pode proporcionar. 

Nunca foi só futebol.

Em um clube tão supersticioso como o Botafogo, não poderia faltar espaço para uma espécie de realismo fantástico que também marcou aquele período. Se em 1988 um extraterrestre teria revelado a Emil Pinheiro que o título viria naquele ano, no ano seguinte à crendice se somaria todo tipo de superstição. Não foi pouco e aqueles que se deliciarem lendo as páginas escritas pela afinada dupla Aline e Maurício certamente se surpreenderão.

Esse mesmo Emil Pinheiro é personagem marcante do livro, detentor de umcapítulo totalmente dedicado à sua figura. Nele se reconstituiu o espírito daquele tempo – quando era considerado normal um contraventor dar as cartas em um clube de futebol. De detalhes até então desconhecidos sobre a fisiologia do antigo mandatário alvinegro até suas narrativas mais excêntricas tudo é revelado como nunca antes. Vale conferir. 

Para os alvinegros, para os amantes do futebol e, principalmente, para aqueles que gostam de uma boa história, a leitura de "1989 – O Escolhido" é garantia de entretenimento. Dos bons. Mais do que a saga de um time campeão, a narrativa descreve "o grito de liberdade de um povo", como é denominado o último capítulo da obra. 

Nunca um título expressou de forma tão precisa uma ideia.

O ano de 1989 foi tudo isso e um pouco mais. Para saber os detalhes só lendo o livro, em fase de financiamento coletivo para que a obra possa ser viabilizada. Dificuldades da Cultura próprias de Pindorama. Não tem jeito. Pobre (literalmente) daquele cujo ofício é escrever, principalmente sobre futebol.

Em realidade, pobre Brasil.

Não é justo, entretanto, terminar assim. A citação final deve recordar Arthur Dapieve ao rememorar a conquista de 1989. Com um toque de malícia próprio do seu senso de humor único, o jornalista desejou às demais torcidas que continuem a ter suas conquistas regulares e viver suas alegrias descritíveis. Os escolhidos – aqueles que viveram o penoso jejum – experimentaram algo absolutamente único na noite de 21 de junho de 1989. Uma felicidade suprema transmutada em uma alegria indescritível – não permeável ao mundo físico dos sentidos.

Só os escolhidos podem entender. 

P.S.: Para participar da campanha de financiamento coletivo, basta acessar botafogo1989.com.br.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/