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Blog do Juca Kfouri

Olimpíadas: a superação e seus resultados

Juca Kfouri

24/07/2021 11h30

POR JOSÉ LUIZ PORTELLA

Após um lustro, 5 anos forçados pela pandemia, voltam os Jogos Olímpicos com o risco do Covid, um vírus que derrubou nossa arrogância mundial de sermos uma espécie imbatível.

O ser humano na glória se transforma em insuportável petulante repleto de vaidade. Ele realiza coisas maravilhosas e inesperadas, porque é ambicioso e inteligente; e faz coisas desastrosas e horripilantes como torturas, guerras e insensibilidade diante da pobreza alheia. Tocamos os extremos.

Com as Olimpíadas reaparecem os mesmos casos já contados inúmeras vezes, desde a primeira medalha brasileira, como os casos de superação passada de nossos atletas que chegaram ao glorioso pódio olímpico.

A superação é sempre uma história bonita, mas a nós, particularmente, ela provoca uma emoção extra de identificação.

Nossa origem humilde, embora a miscigenação promova uma mistura nos torna sensacionais em várias coisas.

Porém a origem como indígenas, escravos, mazombos tece, quase sempre, uma sombra de falta de autoestima, incorreta, mas que nos persegue.

Daí a superação ser nossa vingança contra o complexo de vira-latas.

Todavia, em vez de servir de fator de alavancamento para que o deixemos de uma vez, e partamos para as conquistas possíveis, a superação paira como um carma permanente. Fazendo com que façamos menos do que podemos.

A superação traz consigo seus significados.

Além de continuarmos vítima dessa armadilha que nos afeta desde a criação, no esporte, mostra que a maioria dos nossos atletas vêm das classes sociais mais carentes, e que lutaram muito para chegar ao pódio da vida.

Mostra nossa desigualdade vexatória e que ainda não demos cabo de extingui-la.

Não há um esporte universitário decente, alavancador e base para revelação de talentos. Assim como perdemos vários talentos para a pobreza, que não logram ter a oportunidade de se mostrarem, perdemos talentos na juventude mais bem aquinhoada. O que revela que não temos política no esporte, que deveria começar por massificar o exercício físico como atividade saudável e lúdica.

Os Nuzmans e Teixeiras e Havelanges nunca se preocuparam com isso, com o beneplácito de boa parte da crônica esportiva, que os levava a programas colocando-os em altar e dos empresários que investem no esporte só como umbral para a boa imagem, ou faturamento das suas empresas, sem pensar na profundidade que poderia ter o patrocínio.

Dão o dinheiro, aparecem, e está bom, chega, é o suficiente.

A superação nos emociona não só pela exibição da vitória contra a adversidade do padrão de vida de onde vêm os nossos principais atletas (grande maioria), mas porque também serve para nos autoenganar, que superamos a nossa pobreza desnecessária e abjeta e que nos dá a sensação, por uns minutos, de estarmos num pódio estrelado, com a bandeira do Brasil sendo içada.

Deveria servir para tomarmos o comando de nossas políticas públicas e fazer do país o lugar que ele pode ter.

E restaurar a confiança em nós e naquilo que já produzimos de qualidade e exemplo para o mundo.

A superação tem sido uma forma de elidirmos o mal que fazemos a nós mesmos. A perda do nosso potencial.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/