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Blog do Juca Kfouri

Liga São Tomé: ver para crer

Juca Kfouri

19/06/2021 16h29

POR JOSÉ LUIZ PORTELLA

Alvissareira a notícia da intenção dos clubes em criarem uma liga para gerirem o campeonato brasileiro.

De qualquer forma é um avanço, contudo cabe cuidado no entusiasmo exacerbado.

Cabe ver para crer. Não só a confecção real, como, o que no Brasil se tornou o mais inquietante: a forma como vai se fazer. Assim como projetos iniciam-se no Congresso com uma intenção e terminam cheios de jabutis e desvios que transtornam a pretensão original. 

Além de como vai se consolidar em termos de estrutura gerencial, é preciso saber como depois vai se dar a dinâmica de gestão, a aplicação prática.

Se Andrés Sanchez for o executivo principal, não vai.

Na gênese, cabe espancar a possibilidade de aproveitarem para dar uma virada de mesa em relação a clubes grandes que caíram para segunda divisão. Parece que isso está afastado, contudo, é bom cuidar.

Ocorreu que o impulso inicial está mais sustentado pela atitude dos dirigentes, que, com escassas exceções, sempre foram medrosos e subservientes ao poder da CBF, mesmo quando isso prejudicava o respectivo time. Preferiam acoelharem-se a enfrentarem. Muita gente boa entrou nessa.

Então, se insurgiram "valentes", quando a CBF se enfraqueceu, técnica e moralmente, e surfaram a onda. É preciso verificar se a intenção não se esgota no desejo de empalmar o poder, que deveriam ter tido a coragem de sustentar há muito tempo.

Liga, clube–empresa, SAF se transformaram numa arma da oposição a isso que está aí na CBF e Federações para enfrentá-los. Então virou bandeira política. Certo. Todavia a sua consecução não resolve o problema por si só. É um caminho, uma estratégia.

O Clube dos 13 nasceu de uma falência da CBF, foi bem no início e depois degenerou. E se entregou, docemente constrangido à CBF.

É importante observar que Liga, clube-empresa e SAF são meios e não fins. São ferramentas. Podem ser boas ou más, a depender de quem as dirige.

Se Andrés Sanchez for o executivo principal, não vai.

SAF na mão de safos, seja quem for, piora. Mas, há muitas possibilidades que funcionem. NO Brasil, todo mundo gosta de estar na linha de largada, no lançamento, na inauguração, mas poucos têm a disciplina e pertinácia para estarem na linha de chegada com sucesso.

É fundamental que o futebol reconheça a importância do mercado, do poder financeiro e não reste com o discurso anacrônico, fantasiado de puro, do "romantismo", para ignorar as forças de mercado inextricavelmente atadas às atividades econômicas que geram riqueza.

Porém, o mercado não salva ninguém, nem o futebol, nem a economia.

Ele enriquece. Produz riqueza. Não a distribui, nem leva em conta certos aspectos humanos essenciais.

Futebol tem origem comunitária, um time de futebol representa as emoções, sonhos e valores humanos de uma comunidade, seja deum bairro, de uma cidade, comunidade imigrante, país. Isso não pode ser dilapidado pelo mercado e sua pulsão pelo lucro.

E quem faz essa regulação é o Estado. É a articulação eficaz de Estado e Mercado que suscita a melhor alternativa juntando riqueza e respeito aos valores humanos. Essa história de só o mercado regular tudo e haver agente representativo não funciona como vemos na economia.

No futebol, seria a FIFA, e a CBF no caso do Brasil. Como estas não possuem a mínima condição para exercer o papel, o Estado, no caso, seria a Liga. Então é preciso ver como este Estado vai se constituir.

Não adianta ficar entusiasmado, sem acompanhar a formação da Liga. Nem afirmar que basta que os clubes pensem direito que a coisa funciona. Os clubes não têm pensado direito no coletivo. E os dirigentes são heterogêneos na respectiva postura. Não tem sido fácil costurar um acordo médio positivo, ele tem sempre resvalado para o equívoco, o oportunismo, o dirigente que prefere se juntar a empresários inescrupulosos e outros que dilapidam o clube. Dar de barato que de um dia para o outro eles se regeneraram e se deu uma conversão como São Paulo no caminho de Damasco, é flertar com a frustração.

Além da estruturação gerencial é necessário avaliar os princípios que nortearão essa Liga.

Como São Tomé, é preciso ver para crer. No milagre. Torcendo para ele.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/