Topo

Blog do Juca Kfouri

Os pingos no inacreditável*

Juca Kfouri

10/05/2021 17h59

*Publicado originalmente no jornal UNIDADE, do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo.

Os pingos no inacreditável

Impossível dissociar minha adolescência da rádio Panamericana.

Joseval Peixoto narrando "as bandeiras estão tremulando, tremulando", e Leônidas da Silva, "que conhece porque esteve lá", comentando.

E o Show de Rádio, com Estevan Sangirardi e seus personagens símbolos dos torcedores dos clubes grandes paulistas, o grã-fino Didu Morumbi, o breaco Joca, o Comendador Fumagalli, o Zé das Docas, que faziam você rir mesmo depois de uma derrota. E o meu time mais perdia que vencia.

A Pan, muito antes de ser Jovem Pan, sempre foi conservadora, jamais burra e panfletária.

Com o jornalismo dirigido por Fernando Vieira de Mello, fazia pesquisas tão bem feitas que, na eleição para prefeito paulistano em 1985, cravou, contra todos os demais institutos, a vitória de Jânio Quadros sobre Fernando Henrique Cardoso. Doeu, mas acertou.

E tinha o "Homem do Tempo", Narciso Vernizzi, e o "repita", para enfatizar o horário.

Meu rádio à prova d'água só pega a Pan e costumo tomar banho antes do almoço ou do jantar.

Daí muitas vezes ouvir "Os Pingos nos Is", dissonante de programação equilibrada, capaz de imprimir ferida tão esquizofrênica à Pan que há quem a chame de Jovem Ku Klux Kan.

Voltada para expressiva audiência fundamentalista, suas enquetes, sempre a favor do governo federal, dão resultados que se aproximam invariavelmente de 100%, com o negacionismo ocupando o que deveria ser jornalismo, a ponto de ter uma voz de Los Angeles que recusou a vitória de Joe Biden até depois da posse dele; outra de Brasília que prima pelo reacionarismo; mais uma, do Rio, contra Oswaldo Cruz e, em São Paulo, um apresentador que mais parece agente funerário, coadjuvado pelo inacreditável camaleão neopentecostal Urubu de Taquaritinga.

Este mistura esgares com certezas sobre a morte política de Lula, a impossibilidade de Boulos chegar ao segundo turno na eleição municipal passada e entrevistas com astros da extrema-direita, além de babar ovo até para Roberto Jefferson e se achar "jornalista independente". Como se diz nas redações, o mais perto que chegou do Prêmio Pulitzer foi ao agredir Glenn Greenwald.

Passado o governo genocida, será difícil para a Pan recuperar a imagem. Uma pena.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/