No Reino Unido, não mexam com a Rainha e com o futebol

POR RAFAEL ALBERICO*
Ansioso por uma boa partida de futebol, algo, ultimamente raro em terras tupiniquins – quase tão raro quanto as vacinas – eu esperava, em plena hora do almoço, pelo jogaço que se desenhava na Inglaterra entre Manchester United e Liverpool. Apesar do campeonato praticamente decidido, por que não ver Salah, Mané, Rashford, entre outros grandes craques em campo?
Fui pego de surpresa quando notícias davam conta de que a partida não aconteceria. O motivo: torcedores do Manchester United protestavam fora e dentro do gramado do mítico Old Trafford, contra a Família Glazer, proprietária do clube.
Com a confusão armada, o jogo foi suspenso. Isso me fez lembrar de várias das boas aulas que tive com o Professor Ary Rocco durante o mestrado em gestão do esporte.
No longínquo ano de 2015, me aventurei em terras norte-americanas para aprofundar as pesquisas do meu mestrado e fui beber um pouco das águas que fazem das ligas norte-americanas fenômenos de merchandising, audiência e bilheteria.
Na UMASS (Universidade de Massachussets), participei de um breve programa na renomada Isenberg School of Management, que possui parceria com o mítico Boston Red Sox, uma das mais tradicionais franquias da MLB, principal liga nacional de baseball do país.
Entre cases com números gigantescos e impacto global, eu me perguntava durante todas as aulas: por que no Brasil não abolimos todos os nossos campeonatos, os transformamos em ligas e gerimos de maneira idêntica aos americanos? Com certeza, seria um sucesso.
Rapidamente, em um papo durante um dos intervalos, o Prof. Ary me respondeu: cultura, Rafa. Cada país tem a sua. Não é, simplesmente, replicando um modelo que alcançaremos os mesmos resultados.
Com um mercado saturado na Inglaterra, os donos dos principais times ingleses, muitos com uma mentalidade norte-americana de promover o esporte, se viram em uma situação de explorar novos mercados e conquistar audiência por todos os cantos do mundo. Afinal, empresas que são, esses clubes precisam aumentar as suas receitas e retornar o valor investido em suas aquisições.

O fato é que, desavisados ou prepotentes, esses bilionários esqueceram que o futebol é uma religião na Inglaterra. E com religião não se brinca.
Quando grandes clubes ingleses se envolveram na discussão da Superliga Europeia, mexeram em um grande vespeiro. Além de dar de ombros para a banalização dos maiores clássicos possíveis hoje no futebol mundial, ignoraram a tradição de duelos regionais, rivalidades, do verdadeiro sentido do futebol de sábado para os ingleses. Se esqueceram de que o futebol inglês nasceu, cresceu e se desenvolveu com base em pilares culturais absolutamente diferentes dos norte-americanos.
Nem aqui no Brasil que ainda engatinhamos, nem na Inglaterra, que tem a maior liga de clubes do mundo, podemos ignorar o fator cultura e sociedade em nossas análises, sejam clubes tradicionais ou empresa.
Fica o recado para os magnatas russos, norte-americanos, tailandeses e por aí vai, que investem em clubes de futebol na Inglaterra. No Reino Unido, respeitem os códigos culturais e não mexam em duas coisas: Rainha e futebol.
*Rafael Alberico é Pesquisador e Professor de cursos de Comunicação e Marketing no Esporte.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/