A bolha da Conmebol é furada e Bolsonaro adora
POR MARCELO DAMATO*
Às vésperas da chegada da terceira onda da Covid-19 no Brasil, quando os números de casos e mortes pararam de baixar e já começam a subir, com UTIs superlotadas em algumas cidades, o ocupante da Presidência do Brasil abre o país para a realização da Copa América. A Conmebol enfim encontrou sua alma gêmea.
Bolsonaro é um fura-bolha obsessivo, como aqueles meninos grandes que se divertem destruindo as bolas de sabão criadas por crianças menores. Onde foi criada uma proteção, ele quer destruir.
A Conmebol não pensa assim. Não quer destruir bolhas. Até finge que se preocupa com elas. O objetivo da Conmebol é "honrar os contratos". Mas a diferença é só aparente. O importante para a entidade, como para Bolsonaro, é "manter a atividade econômica". A defesa da vida vem em terceiro ou quarto plano.
A realização da Copa América aqui nem sequer vai gerar muita atividade econômica. Serão umas mil diárias de hotel, mil almoços, mil jantares por dia, no máximo, durante 30 dias. Os jogos terão portões fechados. A indústria do futebol vai se manifestar apenas por vídeo, remotamente.
Mas, se a Copa América vale dinheiro para a Conmebol, para o ocupante da Presidência, é mais um ato político, mais um passo — ao menos na imaginação dele — na corrida pela reeleição.
A "bolha" ficou famosa no último mata-mata da NBA. Todas as equipes foram para um parque da Disney e quem entrava só saía se fosse para não voltar. A Conmebol vendeu o discurso da bolha, mas ao jeito do futebol sul-americano.
Qual vai ser a reação do Brasil? Não se sabe ainda.
No Japão, onde a vacinação está atrasada, 80% da população não quer os Jogos Olímpicos do país, ainda que isso provoque um prejuízo de dezenas de bilhões de dólares, ainda que todos os participantes cheguem completamente vacinados.
E será que dá para comparar o impacto da covid nestes dois países que estão literalmente em pontos opostos do planeta? No Japão, as mortes pela doença correspondem a 102 por milhão de habitantes. No Brasil são 2.160 por milhão. Mais de 20 vezes mais.
E neste momento? Será que os números totais não refletem mais o passado do que o presente? Pois não. Na última semana, morreram 5 japoneses a cada milhão. E 60 brasileiros. 12 vezes mais.
Você compraria um produto, qualquer um por 12 vezes mais? Ou por 20? Bolsonaro quer comprar. E ele não está comprando o mesmo produto. Está levando a Copa América pelo preço de 12 — ou 20 —Olimpíadas.
Por fim, é preciso sempre lembrar que os três últimos presidentes da Conmebol foram afastados por corrupção, por supostamente embolsar vultosas propinas em troca de tomar decisões contrárias ao interesse do futebol, de dezenas de milhares de profissionais e centenas de milhões de torcedores.
Vamos ver o que acontecerá no futuro com o atual presidente da Conmebol. E do Brasil.
*Marcelo Damato é jornalista, primeiro editor da coluna Painel FC, da Folha de S.Paulo e redator-chefe do diário Lance! . É formado em Física pela Unicamp.
Sobre o Autor
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