Presidente militar, desinformação e pânico. A primeira tragédia da Fonte Nova completa 50 anos mais atual do que nunca
POR ANDRÉ UZÊDA*
POR ANDRÉ UZÊDA*
A primeira tragédia da Fonte Nova completa 50 anos hoje. Foi no dia 4 de março de 1971. Duas pessoas morreram e mais de duas mil ficaram feridas. Esta história envolve um presidente militar, disseminação de informação falsa e o desespero para salvar vidas.

Era a partida de inauguração do anel superior da Fonte Nova, ampliando a capacidade do projeto inicial, construído vinte anos antes, em 1951. Durante toda semana que antecedeu a reabertura do estádio, em Salvador, surgiram boatos sobre a obra ter sido finalizada rápido demais, oferecendo risco de desabamento.
Alheios aos rumores, os organizadores marcaram uma rodada dupla festiva para batizar a inauguração. Bahia x Flamengo, Vitória x Grêmio. Constam nos borderôs mais de 90 mil pessoas no estádio. Entre os presentes, na tribuna de honra, o mais cruel general da ditadura brasileira, Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), presidente ilegítimo em exercício.
O primeiro jogo terminou 1 a 0 para o tricolor baiano. No segundo jogo viria a tragédia. Era por volta das 19h, o jogo estava empatado em 0 a 0, quando começou uma correria. Surgiu o boato que o estádio estava desabando. Houve pânico, confusão e muita gente pulando do anel superior para o de baixo.
Para fugir do pisoteamento, muitos torcedores correram também para o gramado, interrompendo imediatamente a partida. Soube-se depois que o estopim para o desespero foi um refletor que estourou a lâmpada, somado aos boatos das semanas anteriores que condicionaram o medo.

Foram 2.086 feridos e duas mortes. Informações da época garantem que os óbitos foram maiores que os oficialmente registrados, mas houve uma 'operação abafa' para mitigar os números e não gerar desconforto para o ditador ali presente.
No fim, o anel superior não estava desabando — algo que trágico e ironicamente, de fato, viria a acontecer em 2007, quando sete torcedores perderam a vida na partida Bahia x Vila Nova pela Série C. Em 1971, há exatamente meio século, foi pânico, desinformação e desespero. Tudo assistido de camarote pelo presidente militar.
*André Uzêda é jornalista.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/