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Blog do Juca Kfouri

Presidente militar, desinformação e pânico. A primeira tragédia da Fonte Nova completa 50 anos mais atual do que nunca

Juca Kfouri

04/03/2021 14h19

POR ANDRÉ UZÊDA*

POR ANDRÉ UZÊDA*

A primeira tragédia da Fonte Nova completa 50 anos hoje. Foi no dia 4 de março de 1971. Duas pessoas morreram e mais de duas mil ficaram feridas. Esta história envolve um presidente militar, disseminação de informação falsa e o desespero para salvar vidas.

Era a partida de inauguração do anel superior da Fonte Nova, ampliando a capacidade do projeto inicial, construído vinte anos antes, em 1951. Durante toda semana que antecedeu a reabertura do estádio, em Salvador, surgiram boatos sobre a obra ter sido finalizada rápido demais, oferecendo risco de desabamento.

Alheios aos rumores, os organizadores marcaram uma rodada dupla festiva para batizar a inauguração. Bahia x Flamengo, Vitória x Grêmio. Constam nos borderôs mais de 90 mil pessoas no estádio. Entre os presentes, na tribuna de honra, o mais cruel general da ditadura brasileira, Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), presidente ilegítimo em exercício. 

O primeiro jogo terminou 1 a 0 para o tricolor baiano. No segundo jogo viria a tragédia. Era por volta das 19h, o jogo estava empatado em 0 a 0, quando começou uma correria. Surgiu o boato que o estádio estava desabando. Houve pânico, confusão e muita gente pulando do anel superior para o de baixo. 

Para fugir do pisoteamento, muitos torcedores correram também para o gramado, interrompendo imediatamente a partida. Soube-se depois que o estopim para o desespero foi um refletor que estourou a lâmpada, somado aos boatos das semanas anteriores que condicionaram o medo.

Foram 2.086 feridos e duas mortes. Informações da época garantem que os óbitos foram maiores que os oficialmente registrados, mas houve uma 'operação abafa' para mitigar os números e não gerar desconforto para o ditador ali presente.

No fim, o anel superior não estava desabando — algo que trágico e ironicamente, de fato, viria a acontecer em 2007, quando sete torcedores perderam a vida na partida Bahia x Vila Nova pela Série C. Em 1971, há exatamente meio século, foi pânico, desinformação e desespero. Tudo assistido de camarote pelo presidente militar.

*André Uzêda é jornalista.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/