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Blog do Juca Kfouri

Kathrine Switzer: Primeira mulher a completar oficialmente (e sob agressões) a Maratona de Boston.

Juca Kfouri

08/03/2021 15h29

POR ADRIANO ÁVILA*

Certas barbaridades do passado, quando vistas hoje, parecem dignas de uma mentalidade medieval, mas em verdade muitas delas aconteceram praticamente ontem. Pode parecer difícil imaginar que 50 anos atrás – que, em uma mínima perspectiva histórica, é como se fosse no instante passado – a presença de uma mulher participando de uma corrida pudesse não só causar escândalo como reações violentas contra a corredora em questão, mas foi isso que se sucedeu com Kathrine Switzer na Maratona de Boston de 1967.

Kathrine precisou superar muito mais do que os 42 quilômetros de corrida para se tornar a primeira mulher a oficialmente completar a tradicional maratona da cidade de Boston, nos EUA: ela não só foi verbalmente agredida por outros corredores, que tentaram obriga-la a não usar maquiagem na pista, como foi fisicamente agredida por um juiz, que tentou retira-la da pista à força e aos gritos, sendo impedido pelo namorado de Kathrine.

A agressão do juiz à Kathrine.

A agressão do juiz à Kathrine.

Para participar, a maratonista se inscreveu com o nome K. V. Switzer, uma alcunha neutra, que confundiu os juízes – as mulheres só seriam aceitas de fato na corrida cinco anos depois, já em 1972.

"A corrida me mudou completamente. Nessa época, eu era magra, insegura e sentia que cada milha era uma vitória", disse Kathrine. Como a universidade não tinha uma equipe feminina de corrida, a única alternativa era treinar com o time masculino de cross country, comandado pelo treinador Arnie Briggs.

A movimentação chamou a atenção de Jock Semple, escocês que comandava a prova com rigidez. Depois de saber que havia uma mulher entre os participantes, Semple se apressou para afastá-la. Com truculência, empurrou a jovem e ordenou: "Caia fora da minha corrida e me dê esse número de peito".

O juiz Jock Semple e sua lamentável e criminosa interferência.

O juiz Jock Semple e sua lamentável e criminosa interferência.

Para comemorar os 50 anos de seu feito, Kathrine decidiu participar da edição de 2017 da mesma maratona, aos 70 anos de idade. Depois da Maratona de Boston de 1967, ela acabou sendo expulsa do "União Atlética Amadora", da qual fazia parte, mas se tornou instantaneamente uma celebridade e um ícone da luta por igualdade de gêneros.

Kathrine Switzer m 2017
Kathrine Switzer, em 2017

Além de construir uma forte carreira como maratonista, Kathrine permaneceu como uma militante feminista dentro dos esportes até hoje. O que hoje pode parecer simples, na realidade tornou-se um fato histórico, e a dimensão profunda do machismo e da misoginia na sociedade ainda hoje pode ser medida por essa história.

*Adriano Ávila é design esportivo e fundador do futbox.com

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/