Topo

Blog do Juca Kfouri

Rogério Caboclo, Quincy Jones e a grandiosidade existencial

Juca Kfouri

24/02/2021 09h00

POR RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO

Quincy Jones é um desses seres humanos que justificam a criação. 

Nasceu paupérrimo e viveu a infância, nos anos 1930, na violenta zona sul de Chicago. Nesse período chegou a flertar com o crime pela falta de referência e perspectiva (queria ser um gangster), até encontrar um piano abandonado. Ao tocar e ouvir o som do instrumento, entendeu que se tratava de um chamado. 

Foi estudar música e se tornou multi-instrumentista; mas deu prioridade ao trompete. A partir dos 14 anos já rodeava músicos como Count Basie e Clark Terry. Aos 18 ingressou na banda de Lionel Hampton e passou a chamar atenção dos principais jazzistas dos Estados Unidos. 

Ainda muito jovem, produziu e conduziu – contra a vontade da gravadora – o álbum de Dinah Washington, chamado For Those in Love, e se tornou uma referência, iniciando parcerias com outros grandes nomes, como Louis Armstrong, Charlie Parker, Sarah Vaughan e Dizzy Gillespie. 

Com alguns baixos e muitos altos, construiu, a partir dali, uma carreira fenomenal, conforme se indica no documentário Quincy (2008), disponível na plataforma Netflix: gravou mais de 300 álbuns e 2.900 músicas; fez 51 trilhas de filmes e programas de televisão; foi indicado 79 vezes e ganhou 27 prêmios Grammy; também levou os prêmios Oscar, Emmy e Tony; e orquestrou e arranjou para os maiores nomes da música, como Frank Sinatra – que o venerava –, Ray Charles e Miles Davis. E não foi só: aventurou-se pelo cinema, com a produção, por exemplo, de A Cor Púrpura (película dirigida por Steven Spielberg e estrelada por Danny Glover e Whoopi Goldberg). 

"Q", como seus admiradores o chamam, também soube compreender os movimentos musicais e comportamentais que se formavam, com o início da massificação da imagem e do som, e transformou Michael Jackson no maior fenômeno pop da história: primeiro com o álbum Off the Wall e, depois, com Thriller, o mais vendido de todos os tempos. 

Nos anos 1980, protagonizou mais um evento histórico: emocionou o mundo ao conduzir estrelas da música em canção que tinha como propósito levantar recursos para população faminta de países africanos: We Are the World; aliás,esse também se consagrou como o single mais vendido de todos os tempos. 

Ficou riquíssimo, constituiu empresas e fundações ao redor de seu nome e ideias, e continuou a ser reverenciado no mundo das artes, da política e em outros segmentos. 

O mencionado documentário (Quincy) mostra o tamanho de sua influência: convidado para comandar o evento de abertura do Smithsonian's Museum ofAfrican American History and Culture, ele preparou uma lista de personagens que gostaria que estivessem presentes: de Barack e Michelle Obama a Colin Powell, de Oprah Winfrey a Robert DeNiro, de Herbie Hancock a John Legend. Todos atenderam o seu chamado.

E de onde veio tanto respeito e reverência? De suas qualidades musicais ou comunicativas, apenas? Não. Pois, nesses quesitos, outros personagens podem – e foram – maiores do que ele (não no conjunto da obra, mas em características isoladas). 

A grandiosidade de sua existência – e de seu papel na sociedade – se afirmam com a convicção de que também poderia – e deveria – atuar para construção de um mundo menos injusto e desigual. Direcionado, em especial, a temas ligados às lutas das populações negras, envolveu-se em tentativa de pacificação de guerras entre rappers e suas gangues, bem como em campanhas sociais de arrecadação de recursos para população carente da África do Sul. 

Pelo que fez (e pelo que é), líderes da envergadura do Papa João Paulo II e Nelson Mandela, músicos do tamanho de Bono Vox e Paul McCartney, e artistas da importância de Sidney Poitier e Tom Hanks, o festejaram (ou festejam).

Enfim, cumpriu, e ainda cumpre sua missão neste mundo, mesmo que tivesse como alternativa o gozo isolado ou privativo da fama e da riqueza adquiridas com seu esforço e talento. 

Isso tudo me faz refletir sobre a oportunidade de Rogério Caboclo, presidente da CBF. 

Aliás, em texto publicado neste espaço, em agosto de 2019 (o título era A grandeoportunidade da CBF – e de Rogério Caboclo), escrevi o seguinte: 

"Mais importante do que a instituição de instrumentos formais, que podem ter efeito prático, ou não – e que são adotados com frequência em companhias para legitimar discursos vazios -, a CBF se depara, agora, com a rara, raríssima oportunidade de apresentar-se ao Brasil como uma entidade que está materialmente comprometida com o desenvolvimento do futebol, dos times e de seus jogadores e, em última análise, do país.

E Rogério Caboclo é premiado com a oportunidade de se consagrar como o presidente que liderará o processo de reconquista do protagonismo do futebol brasileiro num ambiente globalizado e extremamente competitivo.

Poucas pessoas tiveram oportunidade tão grandiosa."

De modo ainda mais intenso, aquela impressão – ainda não realizada – se renova. 

Rogério Caboclo é inteligente, muito bem formado e preparado (intelectual e tecnicamente). Antes de assumir um dos mais importantes cargos que um brasileiro pode almejar (é o que eu penso), vivenciou a realidade interna de um grande clube – o São Paulo – e da Federação Paulista de Futebol. Ele conhece, como poucos, a estrutura do futebol brasileiro.

O que faz e fará com tudo isso, o diferenciará – ou não – dos demais homens e mulheres que passaram pelo esporte, mesmo os que tiveram fama e poder (e dinheiro), mas que não deixaram nada para a sociedade – e, assim, a história cuidará de colocá-los em seus devidos lugares (se é que terão algum lugar na história). 

Eis, portanto, o seu dilema: seguir o caminho da burocracia cartolarial ou tornar-se um líder, reconhecido e admirado (e, de algum modo, imortalizado). 

Mais do que ninguém, Rogério Caboclo sabe que o modelo atual de administração clubística é insustentável: nada mais, nada menos do que 5 campeões brasileiros disputarão a série B em 2021, um recorde negativo histórico; e grande parte dos clubes que disputam as séries A e B está, tecnicamente, insolvente (ou beira a insolvência). 

E o problema vai além: os jogadores brasileiros se tornaram coadjuvantes e os clubes, por sua vez, meros exportadores terceiro-mundistas de commodities. 

Mesmo a seleção brasileira, que continua a ser um sucesso empresarial (por conta dos patrocínios, amistosos, licenciamentos, receitas e lucros), deixou de ter o peso reverencial que encantava as gentes. 

Todos esses sinais decorrem de um mesmo problema, consistente, como já se apontou, no esgotamento do modelo puramente político-associativo, inaugurado no século XIX, e que já foi superado nos demais países relevantes que concorrem com o Brasil.

Por tudo isso, a milionária CBF administra e organiza um sistema interno falido(mas que a alimenta); sistema que clama por uma solução salvadora, concebida a partir do princípio do alinhamento de interesses, perspectivas e resultados. 

Mas a oportunidade (e a sorte) insistem em bater à porta do presidente da CBF: novamente em seu mandato, e de modo robusto e amadurecido, o País se aproxima do advento de um novo marco regulatório, criador do novo ambiente do futebol, de autoria do Senador e, hoje, Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM/MG). 

Esse marco regulatório encaminha a via para atração de capitais (nacionais e internacionais), para recuperação das empresas futebolísticas, para preservação da tradição e da importância dos times brasileiros, para melhoria da formação e das condições dos jogadores, para criação de empregos, e para contribuir com o desenvolvimento social e econômico da nação.

E o que é mais relevante: essas oportunidades surgem no âmbito de uma atividade global; aliás, muito mais global do que a música, porque, ao contrário desta, que é segmentada – um ídolo de jazz não se comunica com um fã de k-pop, assim como, para ficar apenas em mais um exemplo, um ídolo de heavy metal não dialoga com o seguidor de bossa-nova – o futebol é uno e universal, e congrega aproximadamente 4,5 bilhões de seguidores. 

Eis a oportunidade de Rogério Caboclo: apoiar e contribuir, e, no âmbito de atuação da instituição que preside, liderar, como autoridade máxima nacional, o projeto de salvamento, recuperação e desenvolvimento do futebol e dos times brasileiros, em benefício de 140 milhões de torcedores.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/