Aquela porta fechada há 41 anos
POR FABRÍCIO CARPINEJAR
Quando o Inter se consagrou tricampeão brasileiro, em 1979, a minha irmã Carla chorava assistindo a pequena televisão em preto e branco. Por superstição, desejou torcer sozinha em seu quarto.
Bati várias vezes na porta, para que abrisse, tinha oito anos e ela treze. Estava assustado. Escutava os seus soluços do outro lado. Mais se assemelhavam a uivos de alguém ferido, atingido por uma emoção funda e incontrolável.
Jamais a tinha visto chorar por nenhum amor da escola do mesmo jeito.
Pensei que ela se encontraria feliz, comemorando com pulos intermináveis e socos no ar, imitando Falcão.
No meu entendimento infantil da época, as fronteiras das emoções se mostravam definidas: alegria era riso e tristeza era lágrima.
Mas ela chorava. Chorava copiosamente. E a porta permanecia chaveada. Não havia como conferir a gravidade do seu rosto ou oferecer colo.
Minha única irmã em desespero, e ela não atendia ao meu chamado. Nem ouvia os meus gritos, absorta no ritmo barulhento de sua respiração.
Nunca descobri o que aconteceu lá dentro, com o hino do Inter rodando ida e volta no toca-disco. Só me restava imaginar. Em suas aflições, costumava abraçar o seu travesseiro, como se o travesseiro fosse gente. Deveria estar assim, escorada na parede.
Hoje eu compreendo que a alegria é mais chorona do que a tristeza, o quanto o futebol modifica nossas vidas, o quanto confiamos no improvável (Inter, naquele ano, tinha ficado em terceiro lugar no Gauchão e vinha desacreditado para uma competição que ganhou de modo invicto).
E quero muito que Carla, que está de aniversário na sexta (26/2), acorde tetracampeã. E que receba o título de presente. E que abra a porta cerrada há 41 anos. E que me autorize a entrar em seu contentamento extremo e que possamos nos abraçar a cores, talvez chorando tudo de novo – porque nossas dores sempre foram parecidas torcendo pelo colorado.
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