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Blog do Juca Kfouri

O presidente vira-casaca

Juca Kfouri

14/01/2021 15h59

POR ROBERTO SANDER*

Desde o início do século passado, quando o futebol começou a se transformar em um fator de identidade nacional, políticos sistematicamente se utilizam do esporte mais popular do país para se promover e ganhar popularidade. Estabelecer a relação entre o sucesso nos gramados à imagem de governantes passou a ser quase que inevitável. Já na Copa de 1938, Alzira Vargas, a filha do presidente Getúlio Vargas, tornou-se a madrinha da Seleção Brasileira. O próprio Getúlio não perdeu a oportunidade em posar para fotos ao lado do craque Leônidas da Silva, o grande ídolo da época.

Foi assim também com praticamente todos os presidentes que se sucederam. De Juscelino Kubitschek, passando pelo general ditador Emílio Garrastazu Médici até Luiz Inácio Lula da Silva, este um legítimo e assumido corintiano. Veio Bolsonaro e, como faz em relação ao próprio mandato, desmoralizando constantemente a institucionalidade do cargo, esculhambou também essa espécie, podemos dizer, de tradição. 

Existe um senso comum de que trocar de time depõe contra o caráter de um cidadão. Trocamos de casa, de carro, de mulher, mas nunca de time de futebol. Não é de surpreender que não seja assim com Bolsonaro. Ele se diz torcedor do Palmeiras, porém, no mais descarado populismo, com a maior desfaçatez, aparece em estádios, lives ou em solenidades vestindo camisas dos mais diversos clubes. Já se contam 81 camisas diferentes usadas nessas ocasiões. É óbvio que Bolsonaro não passou a torcer, se é que ele é um torcedor mesmo, por esses tantos clubes, mas o simbolismo é muito forte.

Remete-nos ao colega de colégio que, quando viu seu time perder, debandou-se para o lado do rival, momentaneamente vitorioso, sem o menor escrúpulo – o vira-casaca tornava-se um verdadeiro pária na sua turma. Pois não é por acaso que o Brasil, presidido por Bolsonaro, tornou-se também um pária. Em dois anos de mandato, ele conseguiu nos colocar à margem de qualquer processo civilizatório: no meio-ambiente, nas relações internacionais, nos direitos humanos e a partir do seu cruel negacionismo da pandemia, chamada de "gripezinha", que já matou mais de 200 mil brasileiros. 

Portanto, diante desse quadro, nada mais coerente que Bolsonaro seja um tremendo vira-casaca. O pária maior do Brasil.

Ilustração: Metrópoles

*Roberto Sander é jornalista, editor e escritor, autor de 14 livros, o mais recente "1970 – Enquanto o Brasil conquistava o Tri".

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/