O presidente vira-casaca
POR ROBERTO SANDER*
Desde o início do século passado, quando o futebol começou a se transformar em um fator de identidade nacional, políticos sistematicamente se utilizam do esporte mais popular do país para se promover e ganhar popularidade. Estabelecer a relação entre o sucesso nos gramados à imagem de governantes passou a ser quase que inevitável. Já na Copa de 1938, Alzira Vargas, a filha do presidente Getúlio Vargas, tornou-se a madrinha da Seleção Brasileira. O próprio Getúlio não perdeu a oportunidade em posar para fotos ao lado do craque Leônidas da Silva, o grande ídolo da época.
Foi assim também com praticamente todos os presidentes que se sucederam. De Juscelino Kubitschek, passando pelo general ditador Emílio Garrastazu Médici até Luiz Inácio Lula da Silva, este um legítimo e assumido corintiano. Veio Bolsonaro e, como faz em relação ao próprio mandato, desmoralizando constantemente a institucionalidade do cargo, esculhambou também essa espécie, podemos dizer, de tradição.
Existe um senso comum de que trocar de time depõe contra o caráter de um cidadão. Trocamos de casa, de carro, de mulher, mas nunca de time de futebol. Não é de surpreender que não seja assim com Bolsonaro. Ele se diz torcedor do Palmeiras, porém, no mais descarado populismo, com a maior desfaçatez, aparece em estádios, lives ou em solenidades vestindo camisas dos mais diversos clubes. Já se contam 81 camisas diferentes usadas nessas ocasiões. É óbvio que Bolsonaro não passou a torcer, se é que ele é um torcedor mesmo, por esses tantos clubes, mas o simbolismo é muito forte.
Remete-nos ao colega de colégio que, quando viu seu time perder, debandou-se para o lado do rival, momentaneamente vitorioso, sem o menor escrúpulo – o vira-casaca tornava-se um verdadeiro pária na sua turma. Pois não é por acaso que o Brasil, presidido por Bolsonaro, tornou-se também um pária. Em dois anos de mandato, ele conseguiu nos colocar à margem de qualquer processo civilizatório: no meio-ambiente, nas relações internacionais, nos direitos humanos e a partir do seu cruel negacionismo da pandemia, chamada de "gripezinha", que já matou mais de 200 mil brasileiros.
Portanto, diante desse quadro, nada mais coerente que Bolsonaro seja um tremendo vira-casaca. O pária maior do Brasil.

*Roberto Sander é jornalista, editor e escritor, autor de 14 livros, o mais recente "1970 – Enquanto o Brasil conquistava o Tri".
Sobre o Autor
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