Topo

Blog do Juca Kfouri

A saída de Mauro Cézar da ESPN e reflexões (necessárias) para o jornalismo esportivo brasileiro

Juca Kfouri

03/01/2021 10h04

POR ELIAS AREDE JUNIOR*

Jornalismo é um trabalho coletivo. No mundo normal não cabe vaidade, disputa de egos ou ataque de estrelismo. Cada informação transmitida ou reportagem publicada é consequência do esforço de profissionais que se prepararam. Essa engrenagem construiu marcas famosas no Brasil e no mundo. Só que em determinados instantes decisões solitárias são ícones de um novo tempo.

É o caso da saída de Mauro Cézar Pereira da ESPN após 16 anos e anunciada neste sábado.

Apesar da sua postura racional e pé no chão, Mauro Cézar, queira ou não, é uma marca do jornalismo esportivo brasileiro. Merecidamente. Influencia o debate da opinião pública e sustenta o espirito de repórter, essencial nesta época. A saída dele da emissora do grupo Disney representa um marco. Traduzindo: ele abriu mão de encontrar-se em um veiculo de mídia tradicional (uma tevê fechada) para atuar basicamente na mídia digital, seja no portal Uol, no jornal Gazeta do Povo (versão digital), ou no seu próprio canal independente no Youtube. Pense no alcance de tal resolução.

Se o processo gerar frutos vistosos, Mauro Cézar abrirá portas para um novo modelo de negócio em que o jornalista esportivo será o ator principal. Muitos já fazem e com ótimos resultados. Mauro poderá reforçar a tendência.

O grupo Disney pensou com cabeça analógica: na sua visão, exige exclusividade porque tem a melhor plataforma de exposição. Sim, é total direito da empresa. Aliás, muitos profissionais aceitaram. Todavia, é de bom tom pensar e imaginar que o mundo mudou. As vitrines são várias. Hoje, um dono de um endereço no Instagram pode influenciar milhões de pessoas sem nunca ter pisado em um estúdio de televisão, falado em uma emissora de rádio ou escrito uma coluna de jornal. Bom? Ruim? O tempo dará seu veredito.

Não quero atuar como adivinhador ou profeta, mas acredito que em alguns anos a própria Disney chegará a conclusão que tal metodologia é equivocada.

A trajetória profissional de Mauro Cézar Pereira pode ser utilizada como argumento para revisão da decisão. Mesmo se pensarmos com uma cabeça analógica e com os parâmetros do passado hegemônico global.

Este é o pulo do gato.

Mauro Cézar e a construção de sua trajetória profissional são sinais de que algo mudou. Profundamente. Estamos acostumamos a assistirmos profissionais renomados a terem o seu nome e credibilidade catapultados às alturas após terem trabalhado no Grupo Globo. Lícito, correto e normal. Veja só. Mauro Cézar conseguiu tudo isso sem nunca ter trabalhado por tempo exacerbado em qualquer empresa ligado a família Marinho. Ele atuou por um tempo no jornal O Globo, mas sua formação é tão eclética e diferenciada que isso fica em segundo plano.

Outro ponto que não pode ser esquecido: o burburinho em torno de sua saída demonstra que o jornalismo esportivo de excelência tem validade no Brasil. Mauro Cézar não faz piada. Nunca buscou o entretenimento. Jamais fez bajulação com cartola. Fez o que se espera de um jornalista de qualquer área: analisou, criticou, apurou, publicou, fiscalizou o poder e informou o seu público. Inclusive ao relembrar assuntos esquecidos na mídia, como o quadro vivido pelos pais dos filhos mortos na tragédia do Ninho do Urubu e o drama vivido por Robson do Nascimento, ex-funcionário de Fernando e até hoje preso na Rússia.

Nunca conversei ou vi pessoalmente Mauro Cézar Pereira. Sei que assim como eu deve ter vitórias e derrotas. O que não se pode perder de vista é que sua postura e trabalho já fizeram um bem danado ao jornalismo esportivo brasileiro. Ranzinza? Pega no pé? Verdade. Só que sempre procurou fazer jornalismo. Que os estudantes aprendam com ele. E que os profissionais reverenciem um cara que dignifica a nossa tão combalida profissão.

*Elias Arede Junior é jornalista.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/