A saída de Mauro Cézar da ESPN e reflexões (necessárias) para o jornalismo esportivo brasileiro
POR ELIAS AREDE JUNIOR*
Jornalismo é um trabalho coletivo. No mundo normal não cabe vaidade, disputa de egos ou ataque de estrelismo. Cada informação transmitida ou reportagem publicada é consequência do esforço de profissionais que se prepararam. Essa engrenagem construiu marcas famosas no Brasil e no mundo. Só que em determinados instantes decisões solitárias são ícones de um novo tempo.
É o caso da saída de Mauro Cézar Pereira da ESPN após 16 anos e anunciada neste sábado.
Apesar da sua postura racional e pé no chão, Mauro Cézar, queira ou não, é uma marca do jornalismo esportivo brasileiro. Merecidamente. Influencia o debate da opinião pública e sustenta o espirito de repórter, essencial nesta época. A saída dele da emissora do grupo Disney representa um marco. Traduzindo: ele abriu mão de encontrar-se em um veiculo de mídia tradicional (uma tevê fechada) para atuar basicamente na mídia digital, seja no portal Uol, no jornal Gazeta do Povo (versão digital), ou no seu próprio canal independente no Youtube. Pense no alcance de tal resolução.
Se o processo gerar frutos vistosos, Mauro Cézar abrirá portas para um novo modelo de negócio em que o jornalista esportivo será o ator principal. Muitos já fazem e com ótimos resultados. Mauro poderá reforçar a tendência.
O grupo Disney pensou com cabeça analógica: na sua visão, exige exclusividade porque tem a melhor plataforma de exposição. Sim, é total direito da empresa. Aliás, muitos profissionais aceitaram. Todavia, é de bom tom pensar e imaginar que o mundo mudou. As vitrines são várias. Hoje, um dono de um endereço no Instagram pode influenciar milhões de pessoas sem nunca ter pisado em um estúdio de televisão, falado em uma emissora de rádio ou escrito uma coluna de jornal. Bom? Ruim? O tempo dará seu veredito.
Não quero atuar como adivinhador ou profeta, mas acredito que em alguns anos a própria Disney chegará a conclusão que tal metodologia é equivocada.
A trajetória profissional de Mauro Cézar Pereira pode ser utilizada como argumento para revisão da decisão. Mesmo se pensarmos com uma cabeça analógica e com os parâmetros do passado hegemônico global.
Este é o pulo do gato.
Mauro Cézar e a construção de sua trajetória profissional são sinais de que algo mudou. Profundamente. Estamos acostumamos a assistirmos profissionais renomados a terem o seu nome e credibilidade catapultados às alturas após terem trabalhado no Grupo Globo. Lícito, correto e normal. Veja só. Mauro Cézar conseguiu tudo isso sem nunca ter trabalhado por tempo exacerbado em qualquer empresa ligado a família Marinho. Ele atuou por um tempo no jornal O Globo, mas sua formação é tão eclética e diferenciada que isso fica em segundo plano.
Outro ponto que não pode ser esquecido: o burburinho em torno de sua saída demonstra que o jornalismo esportivo de excelência tem validade no Brasil. Mauro Cézar não faz piada. Nunca buscou o entretenimento. Jamais fez bajulação com cartola. Fez o que se espera de um jornalista de qualquer área: analisou, criticou, apurou, publicou, fiscalizou o poder e informou o seu público. Inclusive ao relembrar assuntos esquecidos na mídia, como o quadro vivido pelos pais dos filhos mortos na tragédia do Ninho do Urubu e o drama vivido por Robson do Nascimento, ex-funcionário de Fernando e até hoje preso na Rússia.
Nunca conversei ou vi pessoalmente Mauro Cézar Pereira. Sei que assim como eu deve ter vitórias e derrotas. O que não se pode perder de vista é que sua postura e trabalho já fizeram um bem danado ao jornalismo esportivo brasileiro. Ranzinza? Pega no pé? Verdade. Só que sempre procurou fazer jornalismo. Que os estudantes aprendam com ele. E que os profissionais reverenciem um cara que dignifica a nossa tão combalida profissão.
*Elias Arede Junior é jornalista.
Sobre o Autor
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