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Blog do Juca Kfouri

Moro, juiz consultor

Juca Kfouri

01/12/2020 18h12

POR GRUPO PRERROGATIVAS*

"Ora, o que vocês esperavam de mim"

É urgente e fundamental que se dê transparência à contratação de Sérgio Moro pela consultoria norte-americana Alvarez & Marsal.

Ao ser anunciado como novo sócio diretor da companhia no país, foram destacados como atributos do ex-juiz a "liderança de investigações anticorrupção" e o "aconselhamento de clientes".

Se a experiência em liderar investigações e aconselhar clientes já seria algo inusitado na carreira de um juiz e ministro de Estado, notadamente quando apresentados como qualidades para justificar o cargo de direção em uma empresa norte-americana, a situação se torna ainda mais nebulosa ao descobrirmos quem são os clientes dessa consultoria.nullPUBLICIDADEnull

Segundo noticiado em veículos de comunicação, a consultoria Alvarez & Marsal é administradora judicial do Grupo Odebrecht e presta serviços à OAS, Queiroz Galvão e Sete Brasil, todas investigadas pelo novo sócio diretor da companhia durante a Operação Lava Jato.

Enquanto juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, as decisões proferidas por Sérgio Moro provocaram significativos impactos políticos, sociais e econômicos ao país. Como algoz dos setores estratégicos da indústria nacional de infraestrutura, a operação liderada por Sérgio Moro impôs a necessidade de pesados investimentos na contratação desse tipo de consultoria, justamente pelas empresas que investigou e agora remuneram esse serviço.

Também sob a condução do juiz Sérgio Moro, foram concedidos diversos benefícios aos grupos empresariais e seus dirigentes, que tiveram significativa redução em suas penas criminais e sanções patrimoniais, no bojo dos maiores acordos de leniência e delação premiada que se tem conhecimento na história.

É preciso lembrar que alguns desses benefícios foram concedidos sem base legal, como a criação da figura do "delator informal" na sentença de Sérgio Moro no caso Triplex, para beneficiar Léo Pinheiro e Agenor Medeiros pelas declarações que embasaram a condenação do ex-presidente Lula. Ambos atuavam como dirigentes da OAS, que mais tarde passou a remunerar a atual empresa de Sérgio Moro.

Além disso, é evidente que, durante o período que liderou a Operação Lava Jato, Sérgio Moro teve amplo acesso a documentos e elementos de prova referentes às empresas para a qual poderá agora prestar serviço e ser remunerado, muitos dos quais ainda permanecem em sigilo e podem ensejar novas medidas investigativas, circunstância que inevitavelmente poderá ser utilizada em benefício da atual administração.

Não há dúvida de que, segundo a lógica que inspirou os trabalhos da Operação Lava Jato, situações dessa natureza seriam caracterizadas como justa causa para investigação criminal, acompanhada de prisões preventivas, buscas e apreensões, conduções coercitivas, quebra de sigilo bancário, bloqueio de bens e condenações pelo crime de corrupção.

Evidentemente, não desejamos que os métodos arbitrários característicos do juiz Sérgio Moro sejam usados para perseguir o novo consultor Sérgio Moro. Mas o nobre propósito que inspirou a Operação Lava Jato é o mesmo que nos levar a cobrar transparência nas relações, condições, valores e remunerações envolvidos nos contratos celebrados entre a consultoria norte-americana Alvarez & Marsal, Sérgio Moro e as empresas investigadas na Operação Lava Jato.

Com a palavra o ilustre Procurador Geral da República, que diante do notório interesse público em desvelar as circunstâncias dessa trama, deverá conduzir os trabalhos investigativos destinados a trazer luz aos fatos hoje obscuros, assegurando-se o direito a ampla defesa de Sérgio Moro e seus novos clientes.

*O Grupo Prerrogativas é composto por constitucionalistas, ministros de Estado, defensores públicos, tribunos, estudantes, ativistas, criminalistas e representantes de todas as entidades profissionais mais importantes do Direito. O valor comum do Prerrô é a democracia com justiça social.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/