Amado seja Maradona

Amado seja Maradona, assim na terra como no céu. Rogai por nós, frequentadores das arenas pagãs, assim na glória como na derrota. Tens piedade dos devotos da bola, que agora, em lágrimas, neste momento tão doloroso, se quedam inconsoláveis, órfãos de sua canhota imortal e dos dribles inexplicáveis. Dos cebollitas vieste e para as estrelas ascende, ficando para sempre em nossos corações. Que a mano de Dios nos abençoe . Amém.
Não há uma palestra que ministre em que não perguntam se Maradona "foi o maior". Como historiador, digo que é difícil comparar épocas distintas, pelo risco do anacronismo. Prefiro dizer que cada época teve "reis" – Puskas, Di Stefano, Pelé… Nos anos 80, dentro dos gramados, el pibe de oro foi insuperável. Para além de suas jogadas alienígenas, Maradona carrega aspectos outros que não podem ser minimizados. De origem modesta, morador da favela de Villa Florito, baixinho, com traços indígenas, conseguiu ascensão social como o futebol, por vezes, permite. Isso numa sociedade, tal a brasileira, racista, que durante anos escondeu seus componentes negros e celebrou o extermínio dos povos nativos como um "sinal de civilidade".
Mais ainda: Dieguito, ao conquistar a Copa de 86, recuperou o orgulho nacional de uma Argentina há pouco saída de uma ditadura militar sanguinária (30 mil mortos) e de uma guerra com alto custo de vidas. Como se não bastasse a taça do mundo, durante a competição, os argentinos derrotaram aos ingleses, algozes nas Malvinas. A política, ao contrário dos alguns falam (ou desejam), está dentro do esporte. O indiozinho vingou seus compatriotas, com uma "mãozinha" divina e uma das mais sensacionais jogadas da história do esporte bretão, quase uma metáfora das táticas de vida que os fracos usam para derrotar aos poderosos.
Ali, a Argentina, de certo modo, "ganhou" a guerra e recuperou sua alma. E Maradona virou divino, não importando quais deslizes e equívocos apresentasse na trajetória pessoal. Como diz Eduardo Galeano, Maradona foi o mais humano dos deuses. Os custos, porém, foram altos. Por várias vezes tentou ergue-se. E por várias vezes voltou a fraquejar. Talvez por seu um deus de carne, sangue, ossos e lágrimas, Maradona despertasse tanta empatia – e ódio de seus desafetos, por ter se batido contra os cartolas do mundo do futebol (como o brasileiro Havelange) e por haver assumido posicionamentos políticos de esquerda, defendendo Cuba e Venezuela.
Maradona, agora, mais do que nunca, está divinizado, entronizado com a camisa 10 da albicelente, de azul tão infinito quanto a genialidade do craque.
*Airton de Farias é historiador e autor de duas monumentais histórias das Copas do Mundo e das Olimpíadas.
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