Sobre Pelé por quem (infelizmente) não viu Pelé
POR CAIO POSSATI*
Faço parte de um enorme grupo de seres humanos que nunca viu Pelé jogar.
Mesmo assim, como todos, cresci ouvindo das pessoas e da vida que ele tinha sido o "melhor jogador da história do futebol".
"O que marcou mais de mil gols".
"O que venceu uma Copa do Mundo aos 17 anos"
"O que venceu três (três!) Copas do Mundo".
"O que inaugurou a mística da camisa 10".
"O que fez surgir o gol de placa!"
"O que causou a expulsão de um juiz que quis expulsá-lo"
"O que parou uma guerra para que pudessem vê-lo jogar".

Para mim, título de "Rei do Futebol" está para Pelé como Campos está para Caio. Como se fosse um complemento incontestável, costurado ao nome de forma definitiva.
Confesso que me inveja um pouco não poder sentir o espanto que tantas milhões de pessoas, ao redor do mundo e durante anos, sentiram ao presenciar coisas que só Pelé era capaz de fazer… (… E, inclusive, não fazer também! Afinal, até um gol não feito por Pelé é batizado como o "O Gol que Pelé não fez". Sim, Pelé foi capaz de deixar sua marca até quando não fazia, porque era digno de susto presenciar algo ele não conseguia realizar.)
Já o vi em replays de jogos, documentários, reportagens, lances na internet… Mas Pelé nunca me espantou como, por exemplo, Messi me espanta. Como Ronaldo, Ronaldinho e Zidane já me espantaram.
Não porque Pelé seja incapaz de me espantar. Mas porque não pude vê-lo fazendo a história acontecer. Consumi a história pronta, já contada. E, por isso, nunca saberei defender Pelé como quem de fato o viu – e, nossa, como eu gostaria de poder fazer isso.
Mas se lamento por não tê-lo visto, me consola pensar que Pelé jogou na época certa. Afastado de redes sociais e da massiva produção de imagens, onde jogadores procuram a câmera o tempo todo.
Pelé jogou para as câmeras o procurarem. Alegrou milhares de pessoas num tempo em que a televisão ainda era um instrumento que agregava vizinhos e encantou torcedores nos estádios quando ainda era o povo sofrido que enchia as arquibancadas.
É como se a história, se tivesse uma voz, dissesse:
— Esse tempo te pertence, Pelé.
Que ao cavar no chão e fincar uma raiz eterna na própria história, retrucou:
— Eu pertenço a todos os tempos.
Ser o eterno melhor do mundo é a bola que Pelé nunca deve passar. E que zagueiro nenhum no mundo vai conseguir roubar.
Parabéns pelos 80 anos, Pelé!
Um homem a quem a vida me ensinou a se referir, para sempre, como o Rei do Futebol.
*Caio Possati Campos é jornalista pela PUC-Campinas e psicólogo pela Unifesp – Universidade Federal de São Paulo.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/