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Blog do Juca Kfouri

LetHerRun: Nenhuma mulher precisa provar que é realmente uma mulher

Juca Kfouri

14/09/2020 16h42

Movimento de coalização de ex-atletas, cientistas e médicos reascende drama de atletas femininas banidas e desafia posicionamento da World Athletics (WA);
Na última semana, Corte Suíça negou recurso da velocista Caster Semenya, medalhista de ouro nos 800m na Rio-2016

Um grupo de mulheres atletas está impossibilitado de competir em provas oficiais por registrarem taxas naturais de testosterona acima do padrão. Visto por alguns especialistas como um sinal de intolerância, preconceito e baixa empatia, a normativa já encerrou prematuramente a carreira de dezenas de esportistas e hoje ameaça a trajetória de várias corredoras, inclusive as três medalhistas dos 800m nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016: Francine Niyonsaba, do Burundi, Margaret Wambui, do Quênia, e a bicampeã olímpica Caster Semenya, da África do Sul, cuja apelação foi negada na última terça-feira (8), no Supremo Tribunal da Suíça, e ela só competirá se usar medicação para reduzir seu nível de testosterona.

A recente derrota da sul-africana nos tribunais suíços é o último lance de uma longa história. Um dos principais nomes do atletismo mundial, Caster foi impedida pela World Athletics (WA), antiga International Association of Athletics Federations (IAAF – Associação Internacional de Federações de Atletismo), de defender seu título nos Jogos de Tokyo-2020. A federação condicionou a participação da atleta ao uso de supressores hormonais. O caso reascende às "nude parades" da década de 1960 quando competidoras femininas eram submetidas a um humilhante exame de comprovação de sexo biológico.

Diante da desigualdade, surge o movimento #LetHerRun, uma coalizão de ex-atletas, cientistas desportivos e acadêmicos, entre elas a ex-jogadora de vôlei Jaqueline Silva, primeira mulher brasileira medalhista de ouro em Jogos Olímpicos, e Kátia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP.

"O caso da Caster merece a nossa atenção, porque determina o destino de dezenas de outras atletas que terão suas carreiras extintas prematuramente apenas por terem nascido fora dos padrões impostos por tecnocratas de uma agência regulamentadora. Por que a produção de hormônios naturais não invalidou nenhuma carreira masculina até hoje? Alguém já parou para comparar os níveis de testosterona do Usain Bolt com os do Justin Gatlin, por exemplo?", indaga Jackie Silva, embaixadora do movimento.

Idealizado pela agência Africa, o movimento conta com filme de lançamento no https://letherrun.com.br/pt-br/, retratando as "nude parades" e os constrangimentos causados às atletas mulheres. O #LetHerRun traz uma carta aberta para a World Athletics e seu presidente Sebastian Coe, diante da desigualdade de tratamento – homens não são limitados a um teto de testosterona natural para competir -, a fim de reverem o banimento das atletas e publicamente pedirem desculpas àquelas mulheres submetidas às nude parades.

"A história do esporte olímpico é marcada por grandes lances de superação que inspiram o avanço humano. Porém, o caso da Caster é uma traição desta história. É um retrocesso que apequena o sonho olímpico de solidariedade e inclusão. Espero que esse erro não precise ser revisto daqui há algumas décadas como as injustiças cometidas contra outros atletas do passado", afirma Kátia Rubio, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e uma das consultoras do movimento.

Por mais surreal que possa parecer, a World Athletics ainda exige de atletas femininas uma comprovação de sexo biológico. Durante as Olimpíadas de Moscou, em 1980, Jackie Silva foi submetida sem saber a um desses exames. O episódio está longe de ser um fato isolado.

Impedida de competir, Caster Semenya atualmente trabalha na equipe técnica de um time de futebol feminino em seu país de origem.

"Estou muito desapontada com esta decisão, mas me recuso a permitir que a World Athletics me drogue ou me impeça de ser quem eu sou. Excluir atletas do sexo feminino ou colocar nossa saúde em risco apenas por causa de nossas habilidades naturais coloca o atletismo mundial no lado errado da história", disse Semenya após a última decisão nos tribunais.

Para saber mais, ajudar ou pedir ajuda acesse: www.letherrun.tokyo

#LetHerRun

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/