Futebol e Corona
POR RICARDO PORTO*
A multiplicação de casos de contaminação por coronavírus entre jogadores e profissionais ainda espanta o universo do futebol.
Sete jogadores aqui, outros dez ali, quinze jogadores acolá. Enquanto isso, as entidades olham de lado. Como se não tivessem nada com isso. Afinal, dizem, "criamos os protocolos", "seguimos orientações médicas".
Ingleses e americanos têm uma expressão perfeita para essa atitude: "bullshit". Pesquisem o significado.
A Conmebol, por exemplo, colocou em seu protocolo que, independentemente do número de contaminados, o clube que tiver casos de covid-19 será punido com W.O. caso não se apresente para jogar.
Ou seja, o protocolo de torneios internacionais como a Libertadores e a Sul-Americana não leva em consideração eventuais medidas sanitárias tomadas por autoridades de cada país.
Para reduzir a disseminação do vírus, um país responsável pode simplesmente proibir a entrada de estrangeiros doentes ou que estiveram em contato com pessoas contaminadas.
Num torneio que preferiu não mexer em seu formato e continua exigindo viagens internacionais constantes, como não prever estas situações? Como não se articular às políticas locais de prevenção?
A Conmebol, que tenta emergir de uma sequência infindável de escândalos de propina, decidiu não cobrar testes individuais dois, três dias antes das partidas tal como fez, por exemplo, a Federação Carioca quando reiniciou seu campeonato. O resultado é o que vemos.
O que dizer então dos clubes e seus dirigentes? Clubes que estiveram na linha de frente do "retorno às atividades", pressionando em todos os níveis de governo pela volta do futebol, agora lutam para não atuar por causa do elevado número de casos em seus elencos. Estranho.
Semana passada, advogavam junto à CBF e governos estaduais pelo retorno do público aos estádios. A preservação da vida, da integridade do atleta e da saúde social como um todo só devem ser observados quando te atingem pessoalmente?
Os esportes americanos estiveram na linha de frente das polêmicas nesse retorno apressado. Para voltar, foram obrigados a se reinventar – até porque o impacto negativo numa sociedade partida pelo ódio social seria imenso.
O beisebol regionalizou a forma de disputa e reduziu a temporada a um terço do habitual. Mesmo assim, ao primeiro sinal de casos de Covid-19, botou os times em quarentena.
A NBA usou todo o poder do marketing e sua estrutura para refazer a temporada numa "bolha" – fechados na Flórida, os profissionais só convivem com eles mesmos.
A NFL, que recentemente reiniciou sua temporada, acabou com treinos e criou um protocolo super rigoroso, que inclui multas altíssimas até para quem deixar de usar máscaras. O negócio, quando é negócio pra valer, é sério.
Aqui, continuamos a ver a irresponsabilidade e o risco aumentarem todos os dias. As vidas dos jogadores do maior time do país estão ameaçadas, contaminadas num surto. Jovens saudáveis, cujo valor profissional está na casa dos milhões de euros. Até o presidente, que vivia por aí abraçando aquele outro vira-casaca, pegou. Vão assumir alguma culpa, rever algum procedimento? Difícil. Há poucos meses, uma lenda do clube morreu de covid e nem homenagem ganhou. Por que mudariam de opinião agora?
*Ricardo Porto é jornalista.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/