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Blog do Juca Kfouri

São Paulo, um clube perdedor e perdido

Juca Kfouri

18/08/2020 12h22

POR LUCCA BOPP*

Quem perdeu o trem da história por querer
Saiu do juízo sem saber
Foi mais um covarde a se esconder
Diante de um novo mund
o (Beto Guedes)

Alguém avisa no Morumbi que o hino do São Paulo precisa de uma correção: as glórias não só vêm do passado, como ficaram no passado. E um passado distante, remotíssimo. São doze anos com apenas um troféu, conquistado em um jogo que nunca acabou. Como parece não acabar jamais o calvário dos torcedores do tricolor. Que o São Paulo odeia o são-paulino todos nós sabemos, o problema é que agora a questão se estende aos divãs da psicanálise: ao que parece, o São Paulo também odeia o São Paulo.

É autossabotagem atrás de autossabotagem. Derrota atrás de derrota. Vexame atrás de vexame. É doloroso ver um clube tão gigantesco com proporcional vocação pro fiasco. Se o São Paulo precisa acordar cedo, perde a hora. Se vai pro trabalho, perde o ônibus. Se vai almoçar, perde a fome. Ninguém atende quando telefonam no Morumbi, é só "Ligação Perdida". Assistir aos jogos é perder tempo. E perder a paciência, porque você perde a conta das chances perdidas. É um time de perdedores: o Pato perdeu espaço, o Arboleda perdeu o respeito quando vestiu a camisa do Palmeiras, o Liziero certamente perderá a bola. Até o Daniel Alves, vencedor em todos os lugares, aqui perdeu completamente a noção quando pediu e bancou Fernando Diniz. Nesse ponto, pelo menos, há coerência na montagem de elenco e na escolha do treinador: só a derrota importa. Perdemos patrocinadores, perdemos ações na Justiça, perdemos o rumo.

Claro que tudo que é ruim pode piorar e eles não perderiam, veja que coisa, a chance de passar o maior vexame da história do clube. E não perderam: eliminação para o catadão do Mirassol, time da Série D, montado no WhatsApp – Daniel, o pai tava on? -, com oito novos titulares, tomando 3 gols em pleno Morumbi, com oito anos na fila. Tudo diante de totens tão descabidos quanto sorridentes. Um papelão literal e histórico. Totens que, aliás, procuram tratamento psicológico depois de verem, em dias seguidos, o São Paulo passando vergonha e o Corinthians passando de fase – sim, porque o São Paulo não perdeu do Guarani, vitória que, para alguns, teve mais pinta de derrota. Não é meu caso: tinha que ganhar do Bugre e depois do Corinthians e depois de quem fosse, mas no meio do caminho havia um Mirassol. E um São Paulo, que sempre dá um jeito de perder oportunidades e não conquistar um Paulista que nunca pareceu tão próximo. Estamos longe das vitórias porque desaprendemos a vencer. Porque ganhar alguns ganham: os diretores remunerados ganham muito bem, o Pato ganhou seguidores no TikTok e os atletas ganharam um novo ônibus. Olha que maravilha. Tudo fora da quatro linhas, claro. Dentro delas, convivemos com a certeza do fracasso: quando o juiz apita o início do jogo, a gente fecha os olhos e espera a paulada. E são tantas as pauladas do São Paulo.

Estruturalmente, perderam a perspectiva: o clube tem um sistema de votação arcaico, monopolizado por 200 e tantos conselheiros, tão plurais quanto uma página em branco, decidindo sobre a paixão de milhões de pessoas. Esportivamente, perderam o juízo: mantiveram um treinador que jamais ganhou nada em lugar nenhum depois do Mirassol Day e falaram que "o trabalho é muito bom, o resultado é outra coisa". Em campo, perderam de vista a camisa que vestem: jogadores que não têm a menor ideia do contexto & do tamanho do clube e da necessidade de se entregar mais. Muito mais.

Do alambrado pra cá, a única coisa que o São Paulo não perdeu: a gente. Faz tempo, aliás, que a torcida é a melhor notícia do clube. Por isso, Clube da Fé é o cacete; o correto é Torcida da Fé. Só ela espera um cruzamento certo do Reinaldo, um gol decisivo do Vitor Bueno – sem dancinha -, uma jogada ofensiva do Juanfran. Só ela lota o Morumbi nessa draga, seja em jogo grande, jogo pequeno ou em apresentação de jogador. Só ela assume o risco de virar meme por um totem, com a intenção de ajudar o clube. A fé e o amor andam juntos. Gritam juntos, vibram juntos. E, no fim, a gente ama porque tem fé; a esperança nunca vamos perder. Acreditamos, lá no fundo, em um São Paulo diferente: moderno, respeitado, democrático, competente, plural e vencedor. Um São Paulo que goste do São Paulo. 

Porque pior do que virar um clube perdedor, é ser um clube que se perdeu. 

*Lucca Bopp é escritor e redator publicitário

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/