Plim!
POR LUIZ GUILHERME PIVA
Garotos, presos em casa – começaram a jogar pelo Whatsapp.
Dividiram-se dentro do grupo: seis para cada lado, três beques e três atacantes em cada time. Escreviam os lances. Como no xadrez por correspondência. Mas em alta velocidade e sem qualquer regra: cada um ia inventando e entrando, só não podia quebrar totalmente o nexo da jogada.
Fulano dá a bola pra Beltrano, Sicrano entra cortando e entrega para o, que dribla e prepara o chute mas vem o, que de carrinho joga pra lateral que o, rapidamente, bate e a bola vai pro, que chute forte e chegou uma hora que ninguém acompanhava mais nada, entravam todos ao mesmo tempo, e obviamente o gol não saía porque aparecia um pé salvador e o rebote era de quem escrevesse primeiro e azar de quem deixasse a bateria acabar, mas chegou a noite e a madrugada e a resistência foi caindo, um parou, outro parou, mais dois, e outros, até que Fulano viu que ficou sozinho, dominava e ninguém entrava, avançava e ninguém marcava, driblou todos e não levou falta, levantou a bola, fez embaixadas, voltou pro seu campo driblando, retornou quicando a bola na cabeça, deu caneta, lençol, ninguém reagia, era a hora de fazer o gol e deixar registrado, no dia seguinte estaria gravada a vitória e seu gol maravilhoso, que seria, que seria, como seria?, como é um gol maravilhoso inventado assim de improviso?, ficou fazendo embaixada e pensando, resolveu que jogaria a bola pro alto, mataria no peito e faria de bicicleta, e assim fez, e caprichou no levantamento, postou-se de costas e viu a bola subir, fazer a parábola curta e começar a descer até seu peito, daí seria só ajeitá-la na distância e na altura perfeitas para o arremate acrobático, já sentiu o pré-gozo e anteouviu a bola estufando a rede e escorrendo, era a glória virando estátua no texto do celular, mas sentiu, surpreso, vazio, que não teria graça, ninguém vendo, ele se aproveitando da ausência dos outros, ficou olhando a bola descer, quicar no chão, rolar devagar e parar num tufinho no canto, não havia graça em obter a glória obscura, sem os amigos pra assistir, aplaudir, pra ele sacanear, ainda mais sendo o perna de pau do futebol de verdade, ninguém nem ia levar aquilo a sério, olhou a bola sozinha, deixou-a parada, saiu do aplicativo, virou-se pra dormir – e já no torpor que mistura o nada do quarto com o multiverso do cérebro, e não sabendo mais onde estava, escutou o "plim!" e viu a tela brilhar como um canhão de luz no criado, abriu a mensagem, esfregou os olhos e leu o atacante do outro time:
– A bola sobrou na entrada da área, pega Sicrano, avança sozinho pro campo adversário, entra na área, atira e é gol! Gooooooool! Golaço! Golaço! No último segundo do jogo!
Levanta-se, indignado, vai entrar pra escrever mas logo o atacante insere:
– Fim de jogo! Um a zero!
E ainda arremata:
– Campeões do mundo!
Começa a responder enfurecido e vê a mensagem:
"Sicrano saiu do grupo".
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Luiz Guilherme Piva publicou "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" – ambos pela Editora Iluminuras
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/