O nome do jogo
POR LUIZ GUILHERME PIVA
Pré-adolescentes, entediados, não aguentaram mais esperar. Marcaram a pelada.
Mas com cuidados.
Todos de máscara. E ninguém poderia ficar a menos de 1,5 m de ninguém.
O que levou a outra regra: não podia conduzir a bola, só tocar e se mover – mantida a distância.
Mas não se arriscaram a se mexer: ficaram parados trocando passes. No máximo um passinho para lá ou para cá. E chutes para o gol.
Um deles se encheu:
"Não dá! Parece totó!"
Mas outro retrucou:
"Que totó? É pebolim!"
"Pebolim? Isso lá é nome de jogo? Frescura! Por que não fala 'pezinho na bolinha' de uma vez?"
"E você, por que não chama de Rex, Bidu, Bob? Totó é nome de cachorro!"
"Mas é cachorro macho! Não tem negócio de bolinha, bolinhazinha, bolim, ui, ui, ui!"
"Cachorro macho? Cachorro macho chama Sansão, Zeus, Thor, Mike Tyson! Totó é nome de cachorrinho de madame!"
Os outros esperando. A bola parada com o goleiro.
"Tá me chamando de bicha?"
"Você que começou!"
Um dos demais gritou: "Vamos parar de briga e jogar?".
Mas não.
"Não vou jogar. Isso aqui não é futebol: é totó!"
O outro:
"É pebolim!"
Saíram no braço, com máscara e tudo. Ninguém apartou por medo da aglomeração.
Rolavam no chão de poeira, medindo forças, tentando se agredir, mas pareciam mais se abraçar do que brigar.
Os outros começaram a gozação:
"Tão namorando! Tão namorando!"
Aí o pau quebrou de vez. Os dois partiram pra cima dos outros com socos e chute, a poeira subia, os xingamentos aumentaram, todos se pegando em pé, deitados, rolando, de qualquer jeito.
Menos o goleiro.
Com a bola debaixo do braço, assim ficou. Olhava tudo com impaciência. Só protegia os olhos e a máscara da poeira.
Cansou de esperar.
Foi embora com a bola, tomou banho, foi ver televisão.
Bateram na porta. Pôs a máscara para atender.
Eram os outros: imundos, rasgados, machucados, chamando-o pra voltar pro jogo.
"Estão loucos? Não vou de jeito nenhum!"
"Não vai ter mais briga, pode vir."
Ele olhou para os dois protagonistas da pancadaria.
"Estamos de bem", falaram quase juntos.
Reparou que só ele estava de máscara.
"Vocês vão jogar sem máscara?"
"Vamos. Agora já nos encostamos mesmo, não precisa mais."
Recusou. Devolveu a bola. Fechou a porta. Ouviu chamarem-no de bicha.
Isso tudo foi há um mês.
Um deles, o que falava pebolim, ficou internado e saiu esta semana. O do totó está doente em casa, assim como outros três.
Os demais não saem, de medo.
Nem para ir à casa dele, como sempre faziam, mesmo na quarentena, de máscara, para jogar totó.
Ou pebolim, sei lá.
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Luiz Guilherme Piva publicou "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" – ambos pela Editora Iluminuras
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/