Futebol não é prioridade
POR FABRÍCIO CARPINEJAR
Eu amo futebol. Adoro futebol. Nunca pensei que aguentaria tanto tempo sem assistir ao meu time. Já odiava janeiro e fevereiro porque significavam recesso.
Era uma de minhas conversas prediletas com os amigos e filhos. Sou capaz de ficar mal-humorado por uma semana quando perco uma rodada. Acredito na camiseta da sorte, em rituais e amuletos. Jamais convido algum amigo de novo após uma derrota. Mantenho-me distante dos pés frios, mesmo que custe abdicar das amizades. Pago pay-per-view e cadeiras no estádio. Coleciono bandeiras, jornais e flâmulas. Minha memória é enciclopédica, sei de cor escalações, jogos inesquecíveis e datas das taças.
Mas tenho a consciência de que futebol não é uma prioridade. Não representa uma reabilitação emocional, um auxílio emergencial para as famílias.
No Brasil, há dez por cento dos mortos por coronavírus de todo mundo. Dez por cento e o número apenas cresce. São quase sessenta mil vidas ceifadas em três meses.
Não há como retomar os campeonatos no meio de uma catástrofe sanitária. Não precisa estar atualizado para chegar a tal conclusão. É um bom senso que vem com a carteira de identidade.
Até porque é um esporte de intenso contato físico. Basta um atleta assintomático jogar dos vinte e dois em campo que se deflagrará um efeito cascata do vírus nas delegações.
Assim como não existe estímulo para torcer com os cemitérios dobrando de tamanho e hospitais com sua capacidade máxima. Falta tranquilidade e confiança para vibrar. Como comemorar um gol sem culpa, sem a consciência doer? O país agonizando e vou ficar discutindo impedimento e pênalti?
Por dentro do meu pulmão, só guardo fôlego para vaiar a doença, vencê-la no grito, rebaixá-la aos berros. É o único campeonato possível. O único título moral que nos resta.
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