Miguel: "Eu só queria a minha mãe"
POR JOANA ROZOWYKWIAT*
Esse horror que é a morte do menino Miguel é a história com mais símbolos de que eu tenho lembrança:
A empregada que trabalha durante a pandemia;
A empregada que não tem com quem deixar o filho;
A empregada é negra;
A patroa é loura;
A patroa é casada com um prefeito;
O prefeito tem uma residência em outro município, que não é o que governa;
A patroa tem um cachorro, mas não leva ele pra passear, delega;
A patroa está fazendo as unhas em plena pandemia, expondo outra trabalhadora;
A empregada pegou Covid com o patrão;
A empregada consta como funcionária da Prefeitura de Tamandaré;
Tudo isso acontece nas torres gêmeas, ícone do processo e verticalização desenfreada, especulação imobiliária e segregação da cidade do Recife;
Tudo isso acontece em meio aos protestos Vidas Negras Importam;
Tudo isso acontece no dia em que se completaram cinco anos da sanção da lei que regulamentou o trabalho doméstico no Brasil;
É muita coisa, muito símbolo;
A patroa despacha sem remorso o menino no elevador;
O menino se chama Miguel, nome de anjo;
O sobrenome da patroa é Corte Real.
*Joana Rozowykwiat é jornalista.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/