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Blog do Juca Kfouri

‘Como é frio naquele lugar! É muito, muito, muito frio à noite'

Juca Kfouri

30/05/2020 11h31

Recuperado da Covid-19, corintiano lembra período sofrido em hospital e morte do irmão gêmeo

Por Vitor Guedes

Conheci os irmãos gêmeos Diogo Carmona Makswimcuzuk e Sawa Carmona Makswimcuzuk por causa do amor deles pelo Corinthians e pela zona leste. Durante os três anos que cobri a construção do estádio do Timão, em Itaquera, a dupla participou de churrascos mensais do lado de fora do terreno da obra.

Os irmãos, sempre portando a faixa "Guaianases", viraram meus "fãs" e eram exageradamente gratos porque, como jornalista, cumpria a minha obrigação de dar visibilidade à sofrida periferia da zona leste.

Ilustração: Claudio Oliveira

No dia 5 de maio, Diogo e Sawa e a mãe deles, Iolanda Maria Carmona Dorse, 76 anos, foram internados com Covid-19 na UPA Júlio Tipi, em Guaianases.

Diogo, no dia 8, e Sawa, no dia 9, foram transferidos para o hospital de campanha do Anhembi. No dia 9, Iolanda foi para o hospital do Pacaembu. No dia 10, Sawa morreu. No dia 12, Diogo teve alta. E, no dia 13 de maio, data em que Diogo completou e que Sawa completaria 45 anos, Iolanda teve alta e soube da morte de um dos filhos.

"Sou eu, Vitor Guedes, o Diogo. Tudo joia? Foi triste, complicado, Vitor. Peguei eu, ele e minha mãe. Nós três ficamos internados no mesmo dia no hospital, um do lado do outro. Aí eu e ele fomos pro hospital de campanha do Anhembi, e minha mãe foi para o Pacaembu. Lá no Anhembi, a noite é fria, Vitor Guedes. Como é frio naquele lugar! É muito, muito, muito frio à noite. Que frio que faz lá à noite. Aí, eu tava no bloco F1 e ele no F89, do lado. Conversei com ele uma meia hora antes. Ele tinha saído da UTI, porque tinha problema na respiração, aí foi pro quarto de boa. Tava bom."

"Conversei com ele quase meia hora, de boa. Aí fui pra minha cama à noite. E eu não conseguia dormir por causa do frio. E aí, de repente, eu vi uma maca passando com um monte de médicos e uns enfermeiros, com um braço caído com a camisa que era dele, preta. Falei, aquele lá é meu irmão, conheço de longe. É aquela coisa de gêmeos, não sei, inexplicável: no dia em que ele chegou, eu o vi, no dia em que ele passou mal, eu vi, Vitor Guedes. Aí eu corri, os médicos não deixaram nem em chegar perto e o levaram para a UTI. E da UTI ele não voltou mais. Ele era fã seu e fã do Neto. Todo dia ele assistia ao Neto."

Os irmãos gêmeos Diogo Carmona Makswimcuzuk e Sawa Carmona Makswimcuzuk com a mãe, Iolanda

Os irmãos gêmeos Diogo Carmona Makswimcuzuk e Sawa Carmona Makswimcuzuk com a mãe, Iolanda – Arquivo pessoal

Quis saber dele e da mãe.

"Graças a Deus, Vitor Guedes, minha mãe está se recuperando bem. É seguir a vida, né? Mandei fazer o túmulo dele aqui em Guaianases. Eu e minha mãe nem pudemos ver, a gente tava internado. Ficamos sabendo no outro dia, e minha mãe ficou sabendo no dia da alta dela. E vai ficar pronto daqui uns 13 dias. Aí fica a saudade…"

"Ele tava cheio de saúde, Vitor. Só tava alterada a pressão porque ele ficou meio apavorado, entendeu? Ele nunca ficou internado na vida dele. Aí, de repente, acontece isso. Abraços, Vitor. Fica na paz e se cuida, amigo, que esse vírus é embaçado, é complicado. No dia que acabar tudo isso aí, eu faço questão que você venha aqui em casa, tomar um café para eu apresentar a minha mãe para você."

Guimarães Rosa: "Para ódio e amor que dói, amanhã não é consolo".

Os irmãos gêmeos Diogo Carmona Makswimcuzuk e Sawa Carmona Makswimcuzuk em jogo do Corinthians em 2014

Os irmãos gêmeos Diogo Carmona Makswimcuzuk e Sawa Carmona Makswimcuzuk em jogo do Corinthians em 2014 – Arquivo pessoal

Vitor Guedes

Vitor Guedes, 43 anos, é ZL, jornalista formado e pós-graduado pela Universidade Metodista de São Paulo, comentarista esportivo, equilibrado e pai do Basílio.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/