Visita de Landim a Bolsonaro foi agressão ao Flamengo
POR LUIZ FERNANDO GOMES, no Lance!
O Flamengo tem todo o direito de querer brigar pela volta imediata do futebol. Todos nós queremos que a bola volte a rolar o mais rapidamente possível. Mas há uma grande diferença entre a defesa democrática e legítima de seus pontos de vista e o atropelo das determinações legais, o desafio escancarado à autoridade pública.
O Brasil é um país cada vez mais dividido. Os que acreditavam que o enfrentamento à pandemia pudesse unir a Nação em torno de um objetivo comum, deram simplesmente com os burros n'água. A cada milhar de mortos – e em breve alcançaremos a aterrorizante marca de 25 mil – mais a irracionalidade se impõe e as diferenças descambam para o perigoso caminho do confronto. Há os que estão à direita ou à esquerda, ao lado da ciência ou do achismo, em defesa da vida ou em defesa do bolso. Sem meio termo.
Neste cenário, de uma guerra civil sem armas – e esperamos não chegar a esse ponto – foi um gesto de absoluta imprudência, mas não seria um exagero chamar-se de também de arrogância, a visita dos presidentes do Flamengo, Rodolfo Landim, e do Vasco, Alexandre Campello, ao Palácio do Planalto essa semana. A versão de que o encontro com o presidente da República foi por acaso, é patética, beira o ridículo. Obviamente foi um gesto pensando, de apoio ao fim do distanciamento social, uma obsessão de Bolsonaro, e em busca de apoio para acelerar o retorno do futebol já, como parte da cartolagem quer.
Campelo foi mais comedido. Eu, pelo menos, não vi nenhuma foto de Bolsonaro vestindo a camisa cruzmaltina – embora o presidente que é palmeirense se diga vascaíno no Rio. Talvez tenha tido um lampejo de bom senso. E percebido a tempo que opiniões pessoais dele, ou de qualquer grupo que dirija um clube como o Vasco ou o Flamengo não podem jamais se sobrepor à necessária e obrigatória preservação da instituição e de seus valores.
Política e futebol sempre se misturaram. E essa mistura nunca deu certo. Sempre foi marcada pelo fisiologismo, o oportunismo ou, como nos anos de chumbo do governo Medici, serviu de cortina às arbitrariedades e à violência que corriam solta nos porões ditadura. Medici, é bom refrescar a memória, vestia a camisa do Flamengo, ia para o estádio com radinho de pilha no ouvido, enquanto o som que se ouvia nos Dops e Doi-codis da vida era o grito dos torturados.
Grêmio e Internacional, Cruzeiro e Atlético têm pontos de vista semelhantes ao de Flamengo e Vasco. Voltaram a treinar, mas antes criaram protocolos de segurança discutidos e aprovados pelas autoridades de saúde, os governos dos estados e as prefeituras. E é assim que deve ser feito. Não se viu os presidentes desses clubes fazendo lobby ou demagogia nos corredores do Planalto. Não se viu o presidente da República posando para fotos fantasiado de tricolor, colorado, cruzeirense ou atleticano.
O comportamento arrogante, irresponsável e temerário do presidente do Flamengo, é, antes de tudo, um desrespeito às tradições rubro-negras, à instituição e a sua torcida. É óbvio que há, na gigantesca Nação Rubro-Negra, em todo o país, milhões que defendem tudo o que ele defende, que pensam como ele. Que acreditam no discurso do presidente Bolsonaro. Outros tantos milhões, não concordam com nada disso, veem nas atitudes do bolsonarismo um passo para o retrocesso institucional.
Seja de um lado ou de outro, contudo, há uma imensa massa dos que se sentiram agredidos de ver o Flamengo, sua paixão, mergulhada no coração de uma crise, desse bateu-levou que faz o Brasil naufragar.
O Flamengo, consolem-se estes, é, e sempre será, muito maior do que seus dirigentes. Muito maior do que tudo isso!!!
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