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Blog do Juca Kfouri

Monteiro Lobato e o futebol

Juca Kfouri

18/04/2020 12h32

Monteiro Lobato nasceu em Taubaté em 18 de abril de 1882.

Daí hoje ser o Dia de Monteiro Lobato.

Que teve breve interesse sobre futebol, como conta o professor-doutor ALCIDES JOSÉ SCAGLIA* em texto originalmente publicado no sítio da Universidade do Futebol.

O livro "Literatura no Minarete", reúne 29 crônicas e ensaios escritos na época de juventude quando morava na República do Minarete, recolhidos pelo seu primeiro biógrafo, Edgar Cavalheiro, nos jornaizinhos e periódicos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Neste livro, estão os dois artigos sobre Futebol, escritos em 1905. Gostaria de compartilhar com a comunidade do futebol pequenos trechos destes instigantes textos. Tomarei o cuidado de não comentá-los ao final, mas como se verá nem preciso seria:

"Não se pode dizer que o futebol seja o fator da formidável raça anglo-saxânica, porque ele é um filho dela. Mas não errará quem afirmar ser esse um bom filho um dos conservadores máximos da energia imensa da sua loira mãe. E na verdade o futebol é o estimulante mais poderoso que entre os fortes estimulantes encontra o sangue anglo-saxão.

É por isso que se tornou ele o esporte nacional da Inglaterra e da terra Ianque. Nos colégios, no Exército, na Marinha, em toda e a toda hora joga-se o futebol, religiosamente, como quem cumpre um dever. É um ritual, quase. Vêm daí em parte, as eminentíssimas superioridades do inglês. Porque o futebol dá em primeiro lugar uma grande força física.

Dá resistência, dá tática. Dá agilidade. Dá calma, sobretudo nas emergências mais escabrosas. Dá golpe de vista pronto, seguro e firme.

Dá energia moral, porque a energia moral é quase sempre um reflexo da energia física. Dá iniciativa. Dá confiança em si próprio.

Dá responsabilidade. Os porquês da tantos "dás"? Dá energia muscular porque o jogo movimenta a musculatura do corpo, os músculos do pé e da perna em primeiro lugar, e os do torso e do pescoço em seguida.

Essa energia cria resistência, é lógico, uma sendo recíproca da outra. Dá tática porque nas múltiplas fases dum ataque ou duma defesa, num dribling, inesperado, num chute falho, em qualquer das mil peripécias da luta, o espírito dos foot-ballers, pela tensão prolongada de todas as suas faculdades, acarreta o aperfeiçoamento da mais necessária e da de mais evidência, a presteza da percepção, a tática. (…) E assim mil outras faculdades morais e qualidades físicas este precioso jogo aprimora. (…) Rimos (o brasileiro reacionário e conservador) alvarmente de quem afirma que um esporte como este é mais fecundo em benefícios para o presente e para o futuro da nossa raça do que todas as academias de Direito, todos os grupos escolares somados, multiplicados e elevados à décima potência. Mas a resposta-rolha ao nosso boçal risinho está no ianque e no inglês, esses modernos Alexandres , conquistadores de tudo, ante os quais os povos se curvam. (…) Um ditador que tomasse conta desta República (o Brasil) e acabasse com as fábricas de bacharéis e normalistas, substituindo-os por severos teams de futebol, faria mais pelo Brasil que as dez gerações de Feijós, Zés Bonifácios e Cotegipes e demais estadistas que nos têm governado".

Em 1905, Monteiro Lobato, tinha apenas 23 anos e o futebol (entendido enquanto jogo/esporte) no Brasil somente 11. Na época, dois jovens promissores que hoje continuam a nos ensinar, de diferentes maneiras, mas com o mesmo propósito: contribuindo com a nossa formação, de modo que, mais inteligentes, possamos enfrentar os desafios que a vida e o jogo nos impõem.

PS: necessário destacar o relato de o biógrafo Edgar Cavalheiro, na apresentação dos textos supra citados, sobre a sequência da relação de Lobato com o Futebol: "'O futebol', escreve Monteiro Lobato a Godofredo Rangel, 'empolgou-me de corpo e alma; escrevo crônicas de futebol e jogo. O futebol apaixona e contunde.' Em dois longos artigos Lobato extravasa seu entusiasmo pelo novo esporte, estimulante poderoso, dá resistência, tática, agilidade (…) E dá também, acrescentamos nós, contusões. O que leva Monteiro Lobato a abandoná-lo às primeiras caneladas. Nunca mais jogou e quando adulto manifestou sempre o maior desprezo pelo jogo. Pode afirmar que o futebol em Lobato não passou de um ligeiro 'sarampo da mocidade'".

*Alcides José Scaglia é docente da UNICAMP na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), atuando no curso de Ciências do Esporte (FCA) e no programa de Mestrado e Doutorado da FEF-UNICAMP, sendo coordenador do LEPE-FUT (Laboratório de Estudos em Pedagogia do Esporte), onde desenvolve pesquisas sobre didática e metodologia de ensino/treinamento de esporte, com ênfase no futebol.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/