Maracanã e a gripe asiática, 1957
POR ROBERTO VIEIRA
De repente, um susto.
O presidente Juscelino Kubitschek tem febre, dores pelo corpo, gripe contraída durante a visita da comitiva do presidente português Craveiro Lopes ao Brasil.
As festas foram grandes, lado a lado assistiram com 150 mil pessoas no Maracanã ao triunfo de 2×1 do Brasil sobre Portugal.
Brasil que já tinha Zito, Didi e Garrincha em campo. Brasil que recebia um convidado viral.
Será JK a primeira vítima brasileira da Asiática no Brasil? A notícia explode no país do presidente que mudava a cara da nação.
Telegramas não param de chegar de Taiwan, Filipinas, Japão e Malásia.
A gripe que irrompeu em Hong Kong e Singapura viaja pelo planeta. Trezentas mil pessoas estão contaminadas. Pior. Dezoito casos são relatados na vizinha Venezuela.
O vírus já foi isolado. No Brasil, o Instituto Oswaldo Cruz luta contra a pandemia que ameaça chegar ao país com a força da Gripe Espanhola de 1918.
Desde 1945, o Instituto já produz vacina contra gripes.
Para os cientistas da época, o novo vírus é batizado como A – Singapura. Vírus tipo A localizado em Singapura. Para a população é simplesmente a ASIÁTICA.
A revista Manchete proclama. As epidemias convencionais de gripe atacam os jovens. As pandemias são mortais para os idosos, na época indivíduos com cinquenta anos ou mais de idade.
Incrivelmente, como hoje, evitar apertos de mão e lavar as mãos foram cartilha. Não havia prescrição de máscaras, mas já se alertava sobre a distância entre pessoas por causa dos 'perdigotos'. Remédios milagrosos circulavam nas redes sociais daquele tempo, ou seja, de boca em boca espalhando o vírus.
A mídia brasileira se sai muito bem na retrospectiva das pandemias. Lembra que em 1890, em Paris, a pandemia da época matava, porém o índice de suicídio pelo isolamento, melancolia e depressão cresceu assustadoramente e matou muito mais.
Historicamente, o termo gripe entrou na história da Medicina em 1742. Na Itália há referência da expressão INFLUENZA em 1504.
A primeira Pandemia bem documentada foi a de 1837. Seguiram-se as de 1847, 1888 (Gripe Russa), 1918 e 1921.
E para você ver que o mundo não mudou tanto assim, a revista LANCET traz artigo britânico ligando a epidemia de gripe aos testes atômicos realizados na época pela região do Pacífico. Os vírus teriam sofrido mutações. Era a teoria da conspiração da década de 50.
A ASIÁTICA tinha aparentemente um fato a seu favor segundo as notícias: a baixa letalidade. Isso permitiu o desfile do 7 de setembro de 1957, criticado por muitos dada as multidões que se reuniam nas ruas para assistir às tropas naqueles tempos. JK pensou adiar, mas havia muitas autoridades estrangeiras, os eleitores queriam ver de perto o recentemente organizado Batalhão de Suez.
A festa da pátria era mais importante que o isolamento da população.
Mas nesse aspecto as notícias estavam erradas.
A ASIÁTICA que hoje se sabe foi causada pelo vírus do subtipo H2N2 matou quatro milhões de pessoas em todo o mundo. Metade da população global entrou em contato com o vírus. Nada tinha de gripezinha.
Curiosamente, o tempo comprovou que a ASIÁTICA não teve origem em Singapura ou na ilha de Hong Kong.
A ASIÁTICA nasceu em fevereiro de 1957.
Na China continental…
A maior parte dos óbitos?
Aconteceu por pneumonia bacteriana secundária ao quadro viral.
Qualquer semelhança com a Covid-19 não é mera coincidência.
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Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/