Quarentena
POR LUIZ GUILHERME PIVA
1.
No filme "O rato que ruge" (estrelado por Peter Sellers), de 1959, baseado em livro de mesmo nome, o minúsculo país Grão-Ducado de Fenwick, em total colapso econômico, decide declarar guerra aos Estados Unidos.
A estratégia é, com a óbvia derrota, obter um plano de auxílio dos norte-americanos e assim reerguer o país.
Os 22 guerreiros desembarcam em Nova Iorque para a batalha, mas a cidade está totalmente vazia.
Deserta.
Todos estão nos abrigos subterrâneos para se protegerem de um teste nuclear.
Eis que os guerreiros, andando nas ruas abandonadas, se deparam com o cientista que criara a poderosa bomba. Eles o sequestram e levam-no, junto com o explosivo, para Fenwick.
Os Estados Unidos, diante de tal poderio, acabam se rendendo.
E o Grão-Ducado vence a guerra.
Pois bem.
Eu, meus irmãos e uns amigos, com filhos e sobrinhos, montamos um time e enviamos mensagens para o Liverpool, o Barcelona, o Real Madrid, a Juventus e o Bayern de Munique propondo um torneio (ida e volta, pontos corridos).
O vencedor receberá a Taça de Maior Campeão da História – para sempre, porque só haverá uma edição do Torneio.
E deixamos que eles definam a cidade-sede da disputa.
Eles não responderam ainda. Já reiteramos o desafio, e nada.
Ou seja, seremos campeões por W.O.
Os legítimos detentores do título de Maior Campeão da História.
Estamos agora decidindo o nome do nosso time, para gravá-lo na Taça.
Um sobrinho sugeriu Fenwick.
A ideia é boa.
Pode ser.
2.
O jornalista Jaime Spitzcovsky conta que, ao chegar para ser correspondente da Folha de S. Paulo na antiga União Soviética, em 1990, em meio às grandes mudanças que começaram com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e levaram à derrocada do país, em 1991, ligou a TV e viu (no único canal existente) um senhor fardado lendo solenemente um texto enorme.
Meia hora, uma hora, duas horas. Não acabava.
Desesperou-se. Não sabia ainda o idioma e imaginou que houvera um golpe, uma ação importante do governo, algo histórico que ele estava perdendo – o que seria trágico para um correspondente.
Ligou, com dificuldades (o sistema telefônico não era exatamente bom), para uns amigos correspondentes de outros países para pegar o conteúdo e enviar a matéria para o Brasil.
Qual o quê!
Não era nada do que ele imaginara.
Tratava-se apenas de um programa de literatura. Nele, um professor lia, por horas infindáveis, um romance.
Eu, por mim, tenho percorrido os canais de esporte. Procuro futebol para assistir, qualquer um – antes da paralisação briguei com minha esposa porque ela se virou de costas para dormir quando eu sintonizei no Bragantino x Água Santa.
Uma mesa-redonda que seja.
Lances da rodada.
Os gols mais bonitos.
Nada.
Ligo para os amigos para saber se na casa deles os canais não estão passando algo que eu esteja perdendo.
Não.
Não paro de zapear.
Uma hora acabo achando algo.
Nem que seja um professor lendo algum livro de futebol.
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Luiz Guilherme Piva publicou "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" – ambos pela Editora Iluminuras
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/