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Blog do Juca Kfouri

Dançou, Bolsonaro

Juca Kfouri

20/03/2020 11h36

Ruth de Aquino, O Globo (20/03/2020)

O desfile dos mascarados revelou que Bolsonaro testou negativo para presidente. A contraprova foi o panelaço da classe média

O baile bizarro de máscaras foi revelador. Bolsonaro testou negativo para presidente. A contraprova foi o panelaço da classe média contra ele.

Ele dançou para uma plateia planetária no seu baile de máscaras. A pantomima encenada na entrevista coletiva rodou o mundo e ficará para a História. O chefe da nação expôs de maneira incontestável seu despreparo e sua ignorância, sua falta de liderança e de senhoridade. Com um figurino coletivo que, esse sim, sugere suprema histeria, o desfile dos mascarados revelou que Bolsonaro testou negativo para presidente. A contraprova foi o panelaço da classe média.

A máscara branca que Bolsonaro manuseava, sem saber onde estavam o nariz, as orelhas, a boca e os olhos, diante de câmeras de televisão, é apenas detalhe alegórico de um atabalhoado que parecia imitar o humorista Marcelo Adnet. Lembrei-me dos exames, no consultório do neurologista, em que fechamos os olhos e levamos o dedo ao nariz, para testar coordenação motora, equilíbrio e saúde mental. Mais uma vez, Bolsonaro mentiu, culpou a imprensa e ensinou tudo errado ao povo brasileiro. Mas o povo não é bobo.

Não sei quem teve a brilhante ideia de tentar passar seriedade e calma ao Brasil com aqueles 10 homens brancos mascarados de terno. Isso é esquete de comédia de terror. Se acreditarmos na OMS e no Ministério da Saúde, só os infectados, os imunocomprometidos, os suspeitos graves e os profissionais de saúde devem usar máscaras para não arriscar contaminação. Bolsonaro mirou sua arminha no próprio pé. E acertou! Virou pato manco.

Nenhum outro presidente de nenhuma outra nação teve ideia tão surreal. O baile sentado de máscaras foi a tradução do coronavírus dos trópicos com um incompetente no poder. Acabou o carnaval, Bolsonaro. Não tem mais futebol, samba nem selfie com seguidores. Metrôs lotados são um crime contra a população e não um lugar para fazer média política. Quem quer proteger a família brasileira não endossa manifestações ao ar livre. Bolsonaro não está nem aí para a ciência e a verdade. Nunca esteve. Anunciou dois dias de "festinha" de seu aniversário e da mulher.

Deveria ter palavras para as famílias dos que já morreram. Solidariedade, empatia e compaixão. Deveria se mostrar apreensivo com a falta de água nas populações carentes, que não têm condições de se proteger adequadamente e lavar as mãos. Muitos estão há 15 dias sem uma gota d'água. Essa é nossa maior tragédia no combate à pandemia. E o presidente afirma que o Brasil está "ganhando de goleada" do coronavírus? Quando poderemos pedir responsabilidade aos milhões de pobres sem nos sentirmos hipócritas?

Um mascarado improvável surgiu na coletiva. O ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Até então nos encantava por sua articulação, clareza, competência, firmeza e cooperação com os outros poderes. Mas se rendeu ao puxa-saquismo explícito a Bolsonaro. Mandetta foi claramente enquadrado pelo presidente, enciumado de seu poder de liderança e mobilização. Afaste de si essa máscara, ministro. Não caia na esparrela política. Assuma seu protagonismo técnico. Ignore as intrigas palacianas. Continue a defender "a galhardia" da China, combata o preconceito e a xenofobia. O oposto da família Bolsonaro.

O panelaço ensurdecedor me emocionou. Que prova de vitalidade e autodeterminação! Na Itália, as óperas nas varandas expressam solidariedade. Música e canto aliviam o isolamento em um país com uma escalada trágica de mortos por coronavírus. No Brasil, as janelas exibem panelas e gritos vindos da alma, contra o presidente.

Dançou, Bolsonaro.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/