O Clássico das Emoções
Por ROBERTO VIEIRA
O jovem Bartolomeu Alves da Mota* observa o coqueiral na outrora deserta ilha de Itamaracá. Ele sonha escrever romances, contos, reportagens, mas já está com vinte e oito anos, casado, filho pequeno. A antiga capitania hereditária de Pero Lopes de Souza virou o fim do mundo nas dobras do tempo.
Bartolomeu decide cruzar a ponte recém construída pela Odebrecht e enfrentar o continente em pleno Estado Novo de 1937. Recife e Mauro Mota são a derradeira oportunidade para se tornar conhecido através das palavras.
Bartolomeu se despede do mar de Itamaracá e embarca nas folhas do Diario de Pernambuco. Nas redações faz de tudo, aprimora a palavra, descreve a complexa política da época, os crimes, os amores, a guerra, o vazio da edição que precisa fechar para ganhar as ruas. Bartolomeu se assina agora Alves da Mota e também escreve sobre o fenômeno cultural chamado futebol. Com a métrica parnasiana de quem não se ousa Nelson Rodrigues, mas admira o vernáculo de Mario Filho.
É o tempo em que surge a grandiloquência no futebol. Após o batismo do Fla-Flu, a bola no pé se apodera dos termos do Turfe. Grandes jogos viram Clássicos, termo comum nas corridas de cavalo. O encontro mais antigo, Náutico x Sport, vira Clássico dos Clássicos em 1950, após a Copa do Mundo do Brasil. Um pouco antes, em 1949, o encontro do Santa Cruz, chamado clube das multidões pelos jornais, torna-se Clássico das Multidões ao se deparar com o Sport. Até Náutico x América ganha o batismo de Clássico da Técnica e Disciplina. Verniz aristocrático e nem sempre respeitado.
Falta alguém nomear Náutico x Santa Cruz. O lampejo surge em setembro de 1953. Nas páginas do Diario de Pernambuco, a quebra da invencibilidade Timbu diante dos tricolores é citada como clássico das emoções… em letras minúsculas. É pouco para o estilo romancista de Alves da Mota. Na noite do Diario, o antigo menino de Itamaracá lembra das ondas se quebrando no horizonte, recorda as emoções das redes balançando nas buscadas. A máquina de escrever é solene. Na edição do dia primeiro de novembro de 1953, Alves da Mota batiza uma coluna com letras garrafais: "O Clássico das Emoções" .
O Clássico que se segue é realmente sensacional. Recorde de renda do estadual. Gente saindo pelo ladrão. Corações em apuros. O encontro Santa Cruz e Náutico recebe a definição mais poética do futebol. Uma definição que só poderia sair dos olhos de um menino que amava a palavra sobre todas as coisas.
Poucos meses antes de falecer, aos 94 anos de idade, Alves da Mota tem uma derradeira emoção. No dia 16 de dezembro de 2003, ele também se torna um clássico, assumindo a cadeira número 3 da Academia Pernambucana de Letras. Cadeira cujo titular é Frei Caneca.
Tempo passado, alguns lembram dos seus doze livros escritos, da sua passagem pela Fundação Joaquim Nabuco, da medalha Massangana. Porém, o legado do menino que queria ser escritor também deve ser reverenciado no instante de uma das grandes paixões do povo pernambucano. O momento da bola nas redes.
O momento das emoções de um Clássico.
Momento tão belo quanto as ondas do mar e as cirandas de Lia.
*Bartolomeu Alves da Mota teria hoje 110 anos.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/