No tempo das moedinhas
Por CLÁUDIO ARAGÃO
Para Juca Kfouri
Em 1970 eu tinha 12 anos e ainda não trabalhava.
De modo que surrupiava moedinhas no bolso da calça do meu pai, seu Domingos, quando ele dormia. Meu pai era porteiro de edifício.
De moeda em moeda, na terça feira já tinha juntado a quantia suficiente pra comprar uma nova revista que surgira e tratava de uma paixão: o futebol.
Tinha tudo lá.
Times, jogadores, matérias, muitas fotos, poster, curiosidade sobre o futebol daqui e do mundo.
Um time de repórteres, fotógrafos que jogavam por música.
Contava os dias pra chegar terça feira. Então, seguia a pé da Vila São José para o Gramacho.
Pela Reta do Bicão, cruzava a ponte sobre o rio Sarapuhy e chegava à banca com as moedas.
Na volta, vinha lentamente pra Vila. Virando página por página em tempo de uma carroça me pegar!
Às vezes cruzava com seu Domingos, em sentido contrário, que ia pegar o trem pro trabalho. "Benção, pai!" "Deus te abençoe, meu filho!".
Ao chegar na Vila os amigos faziam roda enquanto eu virava página por página. Não era o dono da bola, mas da Placar. Depois, retirava o poster do time, do jogador e os colocava na parede do meu quarto.
Neste 2020, Placar faz 50 anos e os pensamentos se misturam.
Das moedinhas, de meu pai e dos amigos em volta da Placar.
Reviro minha biblioteca, encontro algumas Placar. Sopro a poeira, convido algumas traças a se retirarem e, lentamente, viro página por página…
A primeira revista é de 10 de agosto de 1970. Número 22.
Diz na capa que a "CBD quer acabar com os clubes brasileiros".
Na página 22 a grande dúvida do Timão. Quem é melhor? Paulo Borges, Buião ou Lindóia?
Dario era o poster e eu o coloquei na parede, como nos velhos tempos.
A Placar 25, do dia 4 de setembro do mesmo ano foi das mais vendidas.
Na página 22 a matéria que dava conta das agruras do jovem craque botafoguense Afonsinho contra a ditadura e Xisto Toniato. Sua cultura, seus cabelos longos e barba eram o motivo.
Teixeira Heizer escreveu e Fernando Pimentel clicou.
Porém, a matéria de capa e várias páginas falavam do nascimento de Edson Cholby Nascimento, o Edinho filho do Rei Pelé. Texto de Michel Laurence e fotos de Narciso James.
Os astros previam que ele seria escritor ou artista. Seu planeta era Mercúrio e os números de sorte, 8 e 4. Cinza, a cor.
Na Placar 68, julho de 1971, as fotos de três capitães de times campeões estaduais. Félix pelo Fluminense, Gérson pelo São Paulo e Jair Bala, campeão pelo América Mineiro.
Na página central o poster do elenco do Fluminense com Zagallo de treinador e Parreira de auxiliar. Fechei a revista. Entreguei-a às traças. Marco Antonio empurrou Ubirajara.
Em 1985 eu já tinha dinheiro pra comprar minha própria Placar.
Na de número 802, o regresso do Rei de Roma e o título estadual do Tricolor do Morumbi rendeu uma inspirada capa: SÃO PAULO ROBERTO FALCÃO.
E como esquecer o timaço que me fez sonhar todos esses anos?
Com textos e fotos…
Fausto Neto, Ruy Carlos Ostermann, Michel Laurence, Carlos Maranhão, Lemyr Martins, José Maria de Aquino, Teixeira Heizer, Divino Fonseca…as fotos de um Fernando Pimentel, Sebstião Martinho, Narciso James…
E como esquecer de uma entrada de sola de Sérgio Martins e do diretor da revista no campo fértil da corrupção do futebol? A chamada "Máfia da Loteria" que comprava resultados de jogos? Ganhou prêmios e mais prêmios a Placar.
Placar faz 50 anos e anda meio arredia, com esses tempos informáticos, sem revisão e pouco sentimento. Sabe ela ter se tornado imortal.
O que a agoniza. Mas a vida é assim mesmo.
*Cláudio Aragão é cordelista com vasta obra sobre futebol, inclusive. Está lançando "Tabelou e driblou dois zagueiros".
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/