O beque central
POR LUIZ GUILHERME PIVA
Um time ele completava. O do Palmeiras.
Dos demais sempre faltavam alguns.
Foi de repente – em frente à TV, ou lendo jornal, ou dirigindo, não sabe bem. Mas começaram a vir à memória os jogadores dos times de futebol de botão que ele tivera quando garoto.
Vinham à mente os retratos e os nomes – na época os botões eram assim, porque os times pouco alteravam suas escalações.
Assustou-se por lembrar-se de alguns de que já se esquecera totalmente. E frustrou-se por esquecer-se dos outros.
Leão; Eurico, Luis Pereira, Alfredo e Zeca; Dudu e Ademir da Guia; Edu, Leivinha, César e Nei. Completa. Mas não era vantagem – essa escalação é quase um "Parabéns pra você", todo mundo sabe.
Mas na do Vasco gaguejava. Andrada; Fidélis, Miguel, Renê e Alfinete; e depois, nada. Zanata? Alcir? Roberto já estava?
A do Fluminense vinha melhor: Félix; Oliveira, Assis, Silveira e Marco Antônio; Denilson e Didi; Cafuringa e quem mais? Sumiram o centroavante, o ponta de lança e o ponta-esquerda.
No Corinthians, várias falhas: Ado; Zé Maria, Ditão, Luiz Carlos; Tião e Rivelino; Vaguinho. Tinha o Mirandinha? Ou o Samarone?
E o do Flamengo? Renato; Moreira, Reyes e Vanderlei (sim, o Luxemburgo!); Liminha e Zé Mário; Rogério, Caio, Doval e Paulo Cézar. Caramba! Alegrou-se. Só faltava o beque central!
Tentou, esforçou-se, mas não conseguia recordar o zagueiro ausente.
Recusou-se a ir ao Google.
Tinha que lembrar.
Mas desistiu.
Esses são os times que ficaram na memória, pensou. Ou que reapareceram, vai saber lá por quê. É o que vale, sem retoques.
Até porque, quando estava debruçado sobre o Estrelão, décadas atrás, não conseguia imaginar nada de como seriam esses times tantos anos depois.
Nem poderia inventá-los ou consultar algum oráculo.
Tinha apenas a certeza de que ele estaria, de titular, em qualquer um deles e na Seleção, fazendo jogadas sensacionais e os gols dos títulos.
Confortou-se com a ideia de que errava muito menos ao se lembrar do passado do que quando, criança, imaginava o futuro.
Conformado, resolveu parar de pensar naquilo.
Havia questões presentes mais importantes e urgentes: trabalho, família, compromissos… Chiquinho! Era esse o zagueiro! Chiquinho!
Pulou, bateu palmas, gritou, repetiu: Chiquinho! Chiquinho!
Agora, sim, estava realizado.
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Luiz Guilherme Piva publicou "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" – ambos pela Editora Iluminuras
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