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Blog do Juca Kfouri

Instituto Vladimir Herzog repudia ação policial em Paraisópolis e manifesta solidariedade às famílias dos nove jovens mortos

Juca Kfouri

03/12/2019 16h48

"Lavar os copos, contar os corpos e sorrir, a essa morna rebeldia"

"Toda noite alguém morre, preto ou pobre por aqui" (Criolo)

O Instituto Vladimir Herzog vem a público manifestar seu profundo pesar às famílias de Marcos Paulo Oliveira (16 anos), Dennys Guilherme dos Santos (16 anos), Denys Quirino (16 anos), Gustavo Xavier (14 anos), Bruno Gabriel dos Santos (22 anos), Eduardo Silva (21 anos), Mateus dos Santos Costa (23 anos), Gabriel Rogério de Moraes (20 anos), Luara Victoria de Oliveira (18 anos), pelas mortes desses jovens ocorridas na madrugada do último sábado (30) para domingo (1º) – mortes essas que poderiam ter sido evitadas se não fosse a ação da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Os episódios recorrentes de violência policial não podem ser caracterizados simplesmente como "erros operacionais" ou "tragédias". Um baile funk em uma região de periferia não pode ser considerado "situação de potencial perigo à ordem", e nem ser usado de pretexto para a criminalização da pobreza, do funk, da negritude, das periferias e da juventude periférica. A juventude tem direito ao lazer, à alegria, à interação social e o "Baile da 17" também representava essa possibilidade.

A matéria da Ponte Jornalismo mostra que a operação ocorrida neste final de semana já estava sendo programada, com ameaças à população local e promessas de presença de grande contingente policial, após a morte de um sargento da PM na região, no início de novembro de 2019. O histórico de ações violentas da Polícia Militar em Paraisópolis, contudo, não vem de 2019. Só o Baile da 17, como era conhecido o programa de domingo, sofreu 45 ações de repressão durante este ano. E a favela de Paraisópolis, a segunda maior de São Paulo, é recorrente palco de ações brutais e violentas na Democracia.

No final de semana do dia 16 de novembro, em mais um caso de violência e repressão policial, a polícia deixou uma jovem de 16 anos cega do olho esquerdo, ao disparar tiros de balas de borracha durante um Baile Funk, dessa vez na região de Guaianases, conforme mostrou reportagem do El País.

O genocídio da juventude negra não é novidade no nosso país. A banalização das vidas negras se aprofunda à medida em que a política de extermínio – uma verdadeira necropolítica – que lideranças políticas no Brasil pregam representa uma licença para matar.

A mensagem postada pelo governador de São Paulo, João Doria, em suas redes sociais, cobrando providências e investigação não são suficientes para lidar com a perversidade e violência com que atuam as forças policiais nas periferias. Nós já conhecemos como esse processo se desenrola. Manifestações de pesar, cobrança de providências, encaminhamento de investigações. Meses depois, esses jovens, que não terão suas vidas recuperadas, têm suas mortes transformadas em meras estatísticas. O Governador é o chefe da Polícia Militar no estado que governa. E é ele a autoridade competente para tomar medidas urgentes para que a Polícia Militar pare com genocídio da juventude negra e a criminalização da negritude e da pobreza, acabando com o discurso de licença para matar e extinguindo os autos de resistência da prática da Polícia Militar do Estado de São Paulo e de outras forças. E isso não terá eco enquanto o discurso de licença para matar dominar as mentalidades e as expressões de figuras que tem o poder.

Cobramos ainda do Ministério Público de São Paulo e da Corregedoria da Polícia Militar a investigação séria e rigorosa do fato, além das punições cabíveis.

Temos a clareza de que esse ato não pode ser visto como um ato isolado, uma falha operacional ou um "erro pontual". A luta é para que as violências do ontem e do hoje não sejam naturalizadas na sociedade, na política, e que, sobretudo, nossa juventude negra pare de ser assassinada e possa viver uma vida plena de direitos, de acesso à educação, ao lazer, à segurança e sobretudo, com seu direito de viver garantido.

Marcos Paulo, Dennys, Denys, Gustavo, Bruno, Eduardo, Mateus, Gabriel e Laura, Presentes!

Instituto Vladimir Herzog

Nota do blog: os 111 mortos no Carandiru marcaram indelevelmente o governo Fleury, em 1992.

27 anos depois, os nove jovens que perderam a vida em Paraisópolis mancham para sempre o governo Doria.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/