Mais um funeral em Kiev
Por ROBERTO VIEIRA
1975.
Abri a revista Placar.
Começava uma série de reportagens sobre grandes equipes de futebol.
Os oito maiores times da história.
E para abrir a série?
O trágico Dínamo de Kiev.
Dínamo que ousou vencer os invasores alemães em campo.
Famintos.
Dignos.
Quatro jogadores assassinados pela Gestapo.
Um time que fez da bola sua arma.
Para delírio das arquibancadas ucranianas.
Claro que a história não tem memória.
A história conta apenas um lado da história.
O Dínamo heróico pelo qual me apaixonei.
Também fazia parte de um povo bipolar.
Milhares de ucranianos colaboraram com o nazismo.
Milhares de ucranianos colaboraram com os soviéticos.
Contra seu próprio povo.
Talvez porque bipolar seja a própria humanidade.
Ontem.
Os torcedores do Dínamo foram mais além.
Pois eles não massacraram Tayson e Dentinho apenas.
Não.
Ontem eles pisaram na memória de Trusevich.
Xingaram Korotkykh, Kuymenko e Klimenko.
Os atletas torturados pelos nazistas.
Ontem também, só que em Recife.
Assisti ao filme FUNERAL DE ESTADO.
Documentário holandês sobre o enterro de Stálin.
Havia cenas em Kiev.
Lágrimas sinceras pelo ditador que escravizara a Ucrânia.
Pois é.
A humanidade bipolar é assim mesmo.
Perdoa o racismo e as ditaduras.
E pune exemplarmente o condenado que ergue seu dedo.
Em tempo.
Acho que a revista Placar errou.
O Dínamo não merece estar na mesma lista de Torino, Ajax e Santos de Pelé.
Nunca.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/