12 de outubro
POR LUIZ GUILHERME PIVA
Tudo criança.
Havia barbas, barrigas, calvícies, mãos na lombar, cerveja e cigarro no intervalo, mas eram todos crianças.
Levavam a bola mais nova, brigavam de mentira pelas escolhas no par ou ímpar, fingiam que eram seus ídolos, narravam as próprias jogadas e comemoravam gols na frente do capinzal como se fosse o Maracanã lotado.
Antes da pelada, três em pé, três agachados, a foto marcial.
Quatro ou cinco times, quem ganha fica, empate é de quem entra.
Dois gols, reveza o goleiro ("gols tomados!", "não: feitos, senão franga de propósito!", "eu uso óculos, não posso ir pro gol!", "é só tirar, espertinho!").
Um choque e alguém saía mancando e gemendo como estivesse para operar o joelho.
Puxões de camisa. Rasteiras. Gozações. Empurra-empurras. Gargalhadas.
Roladas no chão, mato na boca, formiga dentro do calção, boné pra trás, suor nos olhos solares.
O dia reluzindo nos dentes.
De tardinha até de noitinha.
Era a pelada anual.
Todo Dia das Crianças.
Mas só nesse dia.
Nos outros, vestiam suas fantasias de adultos e se arrastavam pelo ano, pela vida, pela incerteza quanto ao passado ("errei?", "devia?", "aquela vez", "será que sonhei?", "juro, era mesmo!") e pela certeza da morte.
Que não joga bola, mas também disputa ("contra quem, meu Deus, contra quem?") uma espécie de par ou ímpar.
___________________________________________________
Luiz Guilherme Piva publicou, pela Editora Iluminuras, "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" – este último é semifinalista do Prêmio Jabuti 2019.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/