O retorno da Rainha
Por MARCELO DUNLOP*
Iludidos, nós? Não seja tolo. A palavra exata é embevecidos. Somos 41 milhões de flamengos embevecidos com as atuações promissoras de nosso elenco, que vive uma fase majestosa. Majestosa a ponto de levar um torcedor a escrever uma carta curiosíssima, rastreada por nossa equipe de jornalismo a caminho do correio, em que a destinatária é nada mais nada menos que a… Mas deixe que o leitor veja com os seus próprios olhos. Faça como a gente, intercepte (calma, Moro) e leia a missiva na íntegra, a seguir.
*Her Majesty the Queen
Buckingham Palace, London,
SW1A 1AA *
Estimada Elizabeth 2ª,
Um salve à rainha e um alô aos bisnetos Savannah, Isla, George, Mia, Charlotte, Louis, Lena e o bochechudo Archie.
Esperamos que esta carta a encontre num belo dia de sol. Estávamos no sábado, tarde de futebol, num estádio lotado, quando 68 mil vozes passaram a cantar um bonito samba de uma xará sua, de nome Elizabeth Carvalho – uma das mais queridas rainhas da música brasileira, que infelizmente nos deixou este ano. Surgiu então a ideia de lhe fazer um convite (lá vai):
Vossa majestade não gostaria de vir ao Brasil assistir a um jogo do Flamengo?
Sabemos que soa como um convite meio descabido, com tantas ocupações e demandas da realeza, sem falar nos bisnetinhos. Mas é que o mundo todo considera uma experiência única, inesquecível. De mais a mais, lembramos que já vai para mais de 50 anos que vossa majestade não visita o nobre estádio do Maracanã.
A senhora se lembra? O ano era 1968, e sua comitiva inaugurou as obras da ponte Rio-Niterói (ela também está ótima, firme e forte), subiu ao mirante Dona Marta (neblina grossa) e fechou a visita numa agradável tarde de futebol no Maracanã. (Durante um almoço no MAM, a senhora conquistou a todos ao chegar, de vestido brie, bolsa e sapatos brancos, e discretamente tirar os sapatinhos para arejar os pés reais… Ê rainha arretada!)
Durante a partida, uma disputa entre seleções do estado do Rio e do estado de São Paulo, Pelé marcou um gol e foi muito aplaudido pela senhora, que comentou com perspicácia na tribuna: "Os jogadores ingleses jogam o futebol-força, viril: são touros (bulls). Os jogadores brasileiros são mais leves, preferem se insinuar; são parecidos com cobras (snakes)." O jogo terminou 3 a 2 para os paulistas (Abel, Pelé e Carlos Alberto; Roberto e Paulo César Caju para os cariocas).
Senhora Elizabeth 2ª, venha ao Brasil tomar um chá e depois vá ver os cobras do Flamengo jogar ao vivo, será uma tarde épica. Fundado por valentes remadores, como seu marido Filipe, o time tem cores de seu agrado – as mesmas de sua carruagem real – reverencia um Rei chamado Arthur e conta com um Mister europeu no comando – sem falar no nosso Imperador, tremenda figura.
Como as exibições do time estão à altura de qualquer realeza, muitos torcedores que, como a senhora, não vão ao estádio há 50 anos, estão na maior fissura (desire) de arranjar ingressos, casos de meus velhos amigos Azeitona e João Mineiro (Mr. Olive and Mr. John Gold Miner). Estimada rainha, está mais fácil ver a bandeira do Flamengo a tremular no palácio de Buckingham do que sobrar entradas para o Maracanã, esta é a realidade. Mas somos brasileiros, e não desistiremos.
Com renovadas estimas,
De um humilde plebeu carioca
*Marcelo Dunlop gosta de samba, cerveja, boa crônica e futebol, de preferência no mesmo domingo. Nega a fama de saudosista, apesar de achar que aquele menino, o doutor Rubens, teria vaga hoje no Mengão.
Procura escrever como torce, sem nostalgia, ainda mais depois que rejeitaram seu recurso sobre o Fla-Flu da Lagoa.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/