Ajuste fiscal
POR LUIZ GUILHERME PIVA
Para o Caio
O time não tinha muita coisa; um campo com muro baixo em volta, guarita e bilheteria. Barracos no fundo como vestiário.
Os jogadores ganhavam uns trocados por partida.
Dava pra levar sem muitos gastos. Alguns lojistas se cotizavam e ajudavam o empresário dono do time e do campo.
Mas houve imprevistos: caiu o muro, causa trabalhista de três ex-jogadores, praga na grama, barracos destruídos pela chuva – o orçamento para arrumar tudo ficou alto.
E a liga regional ia começar.
Foram ao banco. Avalizaram. Prazo curto de vencimento. Contavam com os ingressos do torneio para saldar uma parte e depois refinanciar – o gerente era amigo, não haveria problema.
Mas não.
A bilheteria fraca não deu nem pro cheiro. O vencimento da promissória estava perto e começaram os telefonemas do gerente.
Prometeram.
Nada.
Venceu. Veio a cobrança.
Nada.
Com os juros, a dívida subia e os telefonemas se multiplicavam.
A ameaça era sobre todos eles, avalistas.
Pra piorar, o time só perdia. Estava em último lugar. Várias goleadas.
Marcaram a reunião. Tensa, fumaça de cigarro, lâmpada fraca pendurada, mosquitos, suores.
Perdiam a calma, gritavam, não havia o que fazer. Temiam pelos parcos ativos pessoais.
Só um deles mantinha a calma. Sentado no canto, rodava o chaveiro de alça de couro em torno do dedo pra frente e pra trás.
No auge da barulheira ele bateu a mão na mesa:
– Pessoal, tenho a solução!
O silêncio enrugou o ar.
Levantou-se.
– Vamos dispensar o Biriba!
Não sei direito o que houve depois. Dizem que todos o empurraram e quiseram bater nele. Ele garante que não, que saiu tranquilo, mas bravo com a ignorância dos demais por rejeitarem sua proposta.
O fato é que todos acabaram pegando dinheiro dos próprios bolsos e pagando em parcelas o empréstimo.
Ele sempre diz:
– Burrice, pessoal. Não precisava de nada disso.
Quando os outros retrucam "Mas o Biriba é o terceiro goleiro, ganha só 30 reais por jogo, e só quando joga!", ele dá de ombros.
– Ajuste é ajuste: tem que fazer, doa em quem doer!
Não adianta argumentar.
O Biriba, por sua vez, segue lá, firme, esperando a oportunidade de, depois de tantos anos, um dia, enfim, entrar em campo.
Teve um dia até que surgiu a chance, com o sumiço do titular e a contusão do reserva. Mas o dono, com medo, o convenceu a dar a vez ao Gigão: "Pois é, Biriba, faz tempo que você não joga, pode ser ruim pra você."
Ele concordou e ainda ficou em pé na lateral, incentivando.
O Gigão era o cabeça de área.
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Luiz Guilherme Piva publicou "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" – ambos pela Editora Iluminuras
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/