A biografia do grande Bebeto de Freitas
O que você lerá aqui, fruto de meticuloso e apreciável trabalho de Rafael Valesi, é mais que uma biografia.
É a história de um Don Quixote, embora não seja escrita por Miguel de Cervantes.
Sim, bem sei que para muitos ser Quixote é pejorativo, sinônimo de loucura e derrota.
Bebeto de Freitas era maluco e acumulou derrotas.
Maluco porque abria o peito para levar tiros e dava a cara à tapa.
Mas Quixote aqui é elogio mesmo.
Bebeto pôde se acumpliciar aos poderosos, mas preferiu combatê-los.
Não pense que morreu feliz porque a tempo de ver Carlos Arthur Nuzman preso e desmoralizado.
Teria morrido feliz se Nuzman tivesse sua trajetória interrompida quando ele passou a denunciar seus mal-feitos.
Se Bebeto não ganhou a guerra contra o atraso no esporte brasileiro, ganhou o respeito de todos os que o conheceram de perto.
Como um dos melhores levantadores do vôlei brasileiro, como técnico de clube de vôlei, como treinador da seleção brasileira de vôlei, como dirigente de futebol do Atlético Mineiro, como presidente do Botafogo.
Sanguíneo, se irritava por coisas grandes e pequenas.
Um dia me disse indignado que era um absurdo a torcida paulista no ginásio do Ibiraquera torcer para a Pirelli contra o Bradesco, o sexteto que ele dirigia: "Pô, o Bradesco é um banco de São Paulo e a Pirelli é uma multinacional italiana", não se conformava.
Ele tinha toda razão. E não tinha nenhuma razão.
O Bradesco era um time que ele treinava no Rio e a Pirelli morava no ABC paulista.
Em 1992, quando o vôlei masculino brasileiro ganhou o ouro olímpico em Barcelona, do técnico José Roberto Guimarães ao massagista da seleção, passando por todos os jogadores, cada um veio cumprimentar Bebeto, então comentarista da Rede Globo, e repartir com ele a primeira vez em que uma equipe nacional de esporte coletivo chegava ao lugar mais alto numa Olimpíada.
Pedaço grande daquele ouro era dele.
Guerreiro, se por algum motivo deixava de ver luz no fim do túnel, como acontece com todos que dão murro em ponta de faca, era capaz de passar mais de uma hora ao telefone para se queixar da vida e suas complicações.
Bebeto se deprimia e se sentia perseguido porque, de fato, era perseguido.
Daí ser capaz de desaparecer por alguns dias nessas ocasiões para reaparecer com fibra redobrada em seguida.
E sai debaixo.
Porque quando ele resolvia botar o dedo nas feridas sobrava para todos os malfeitores que impediam e impedem o florescimento do esporte brasileiro.
Suas entrevistas nunca passaram em branco.
Juntos, participamos do grupo que formulou proposta de política esportiva para o país, encomendada pelo presidente Lula assim que eleito pela primeira vez.
Acabou na gaveta do dissimulado ministro do Esporte de então, Agnelo Queiroz.
É claro.
O ministro deveria ter sido Bebeto de Freitas, a quem o Brasil deve. E muito.
Moinhos de vento não se interpuseram no caminho de Bebeto, apenas barreiras bem concretas.
Lutou como leão para superá-las e não permitiu que rede alguma o aprisionasse.
Morreu de repente, cedo demais, como uma cortada fulminante, ou um saque certeiro para fazer o ponto que só os imortais são capazes de fazer.
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Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/