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Blog do Juca Kfouri

VAR da torcedora

Juca Kfouri

22/07/2019 12h00

Por Fabrício Carpinejar

O preconceito é teimoso.

Só falta pedir VAR da agressão sofrida pela torcedora gremista no Beira-Rio, no empate entre Inter e Grêmio de sábado (20/7), para dizer que foi simulação da vítima.

É indiscutível que uma sócia colorada puxou a camiseta tricolor da mãe acompanhada de seu filho. É indiscutível que houve empurrões e tapas. É indiscutível que um grupo da torcida do Inter cercou e intimidou a gremista e a deixou sem defesa. É indiscutível a coerção e a subtração do objeto de alguém. É indiscutível o ato de agressão. Não vamos grenalizar a violência, querendo amenizar o lado de quem errou e culpando a vítima. A mentira não traz três pontos. Agora circula a boataria de que ela estaria "provocando" com cântico antes da emboscada que sofreu.

Menos!, não existe desculpa parcial. Ou é ou não é. Decida-se, meu Inter.

A vítima não é co-responsável. O que vem acontecendo é uma amostra da misoginia do futebol. Culpa-se a senhora por não se encontrar na área reservada da torcida do Grêmio, induzindo que ela foi imprudente e que provocou o abuso.

É o mesmo que dizer que quem foi estuprada é culpada porque estava de minissaia e facilitou. É o mesmo que dizer que quem foi assaltado é culpado porque não deveria frequentar ruas com alto índice de violência.

Não importa se a cena lamentável aconteceu no Beira-Rio ou na Arena. Aconteceu, não é uma hipótese: uma criança viu a sua mãe ser sacudida e interpelada por estranhos. Uma criança chorou de impotência diante da agressividade inesperada.

Quero entender essa teoria maluca de que ela pôs o seu menino em risco e não poderia empunhar o emblema de seu time nas cadeiras do oponente.

Então, o Inter admite que a nossa torcida é violenta, e que não foi uma exceção, isso? Qualquer um fardado com o símbolo e as cores do rival que entrar na arquibancada colorada será insultado e massacrado? Que existe risco de vida torcer vestido de um jeito contrário? Que ali não há pessoas educadas e civilizadas, respeitosas e compassivas, mas animais selvagens e famintos numa jaula, prontos para um ataque?

Melhor colocar logo uma placa na entrada do estádio: "Não nos responsabilizamos pela segurança dos torcedores adversários ou por itens de valor levados por eles".

Lágrimas de um Grenal

Por Roberto Vieira

Aos 11, 12 anos, costumava assistir jogos nas sociais da Ilha do Retiro com a camisa do Náutico sem medo algum na companhia de meu pai. Nada de insultos, nada de ameaças, era apenas uma criança apaixonada por futebol.

E eu não era o único.

Parece coisa de outro mundo, de outra civilização, de outro planeta, mas era apenas o reflexo de uma antiga sociedade com inúmeros defeitos e algumas qualidades.

Entre estas qualidades, a de não levar o futebol tão a sério, como guerra onde se deve matar ou morrer.

Este final de semana foi um final de semanas de lágrimas para uma criança gremista, culpada por portar uma camisa do Grêmio no setor colorado do estádio.

Pecado mortal, a camisa foi subtraída da criança em prantos.

Claro que o Internacional não é o único culpado do descalabro. As lágrimas poderiam acontecer em qualquer outro estádio, em qualquer outra torcida. Os torcedores colorados que fizeram a criança chorar não têm nada a ver com o Internacional de Figueroa e Falcão que nunca bateu em criancinhas.

As crianças gremistas do tempo de Figueroa e Falcão choravam nas derrotas, o que faz parte do futebol.

Que um guri, um piá não possa torcer livremente é antes de tudo um sinal. Sinal de uma sociedade doente, esquizofrênica, delinquente, débil mental.

Mas talvez, quem sabe, do mal se faça um bem, e os reais torcedores se unam para trazer de volta aos estádios a antiga inocência. Nem que seja por noventa minutos na próxima rodada do Brasileirão.

Inocência perdida, como a camisa tricolor rasgada em frangalhos nas lágrimas de um Grenal.

E nenhum gol vale a lágrima de uma criança na violência de uma partida de futebol.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/