João
POR LUIZ GUILHERME PIVA
Se o João Gilberto fosse um time de futebol, como ele jogaria?
Toques finos, leves, precisos, a movimentação imperceptível envolvendo o adversário e o público, as variações de jogadas que parecem repetições infindas a ponto de encantar e hipnotizar o estádio inteiro e…
Não, é impossível. Nenhum time jogaria como João Gilberto tocava e cantava.
Talvez um jogador jogasse como João Gilberto tocava e cantava.
Qual?
Seria preciso conjugar a perfeição do Pelé, a precisão do Gérson, a sutileza do Tostão, o "ritmo líquido" do Ademir da Guia (como diz João Cabral), a prestidigitação dos pés do Ronaldinho Gaúcho, a…
Não, teríamos que juntar muitos craques, talvez todos, para tentar formar um jogador que jogasse como João Gilberto tocava e cantava.
Mas ainda assim em vão.
Nenhum craque e nem todos os craques juntos jogariam como João Gilberto tocava e cantava.
Já ia perguntar como escreveria alguém que escrevesse como João Gilberto tocava e cantava, mas desisti.
Ninguém escreveria como ele tocava e cantava.
E me lembrei de outro João, também encantador e enigmático: João Guimarães Rosa.
Sobre quem, quando morreu, Drummond escreveu:
"Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar".
Mas nem Drummond nem Guimarães Rosa escreveriam como João Gilberto cantava e tocava.
Ou seja, nenhum time, nenhum jogador, nenhum escritor que se iguale a João Gilberto existiu, existe nem vai existir.
Talvez em sonho.
Mas falo existir.
Existir mesmo.
De se pegar.
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Luiz Guilherme Piva publicou "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" – ambos pela Editora Iluminuras
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/