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Blog do Juca Kfouri

Este Dérbi o blog ganhou

Juca Kfouri

17/04/2019 19h50

Depois da Crefisa não aceitar as críticas aqui feitas, processar o blog e perder na Justiça, eis que o BMG adotou o mesmo caminho e sua queixa acabou rejeitada pelo Ministério Público e pelo julgador.

Sentenciou o juiz Ulisses Augusto Pascolati Junior:

"As duas matérias veiculadas pelo querelado em seu blog, saliente-se, trouxeram informações públicas, mescladas com opiniões pessoais do jornalista, característica nata de colunas deste gênero.

Sendo jornalista esportivo, o querelado se ocupa de vários aspectos envolvendo campeonatos e times de futebol, incluindo, em alguns casos, debates críticos acerca de alguns patrocinadores. Tal atitude se mostra dentro do limite de sua liberdade de expressão.

Assim, no caso, agiu o querelado nos limites de sua profissão, baseando sua matéria jornalística nas informações recebidas, atuando, em verdade, nos limites dos fatos narrados, com críticas inerentes ao trabalho de um articulista, de modo a não existir ato ilícito de sua parte.

Tratou-se, de fato, do exercício regular do direito de informar. A liberdade de imprensa, enquanto extensão das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, compreende prerrogativas inerentes como o direito de informar, o direito de buscar a informação, o direito de opinar e o direito de criticar".

Abaixo a decisão na íntegra:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

COMARCA DE SÃO PAULO

FORO CENTRAL CRIMINAL BARRA FUNDA

VARA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

DECISÃO

1000118-42.2019.8.26.0050

Ação Penal – Procedimento Sumaríssimo – Representação caluniosa

Querelante:Banco BMG S/A

Querelado: Jose Carlos Amaral Kfouri

Juiz de Direito: Dr. Ulisses Augusto Pascolati Junior

Lei 9.099/95.

É o relatório, em que pese dispensável nos termos do artigo 81, parágrafo 3o, da

Fundamento e Decido.

A queixa crime deve ser de plano rejeitada.

Vistos.

Trata-se de ação penal privada que BANCO BMG S/A move em face de JOSÉ CARLOS AMARAL KFOURI, imputando-lhe a prática do crime de difamação.

Consta que o querelado, nos dias 17 e 28 de janeiro de 2019, teria veiculado em seu blog ("Blog do Jucá Kfouri"), no sítio UOL, artigos relacionando o nome do querelante a escândalos políticos da história recente e a irregularidades no meio futebolístico.

Em audiência preliminar, não havendo proposta de composição civil por parte do querelante e representante do Ministério Público pediu vistas para se manifestar (fls. 141). Após, o Dr. Promotor de Justiça pugnou pela rejeição da queixa-crime.

I. Legitimidade

O querelante, pessoa jurídica de direito privado, imputa ao querelado a prática do crime de difamação, alegando que, ao vincular seu nome com o escândalos políticos, o querelado teria violado seu nome e reputação.

Em relação ao sujeito passivo do crime de difamação, em que pesem entendimentos contrários, não há óbice a que pessoa jurídica figure como vítima do referido crime. A figura típica do artigo 139 do Código Penal busca a proteção da honra objetiva da vítima, de sua reputação, de modo que, se há imputação ofensiva à imagem da pessoa jurídica, aliada aos demais elementos do tipo, fica configurada a prática criminosa.

Nesse sentido, "modernamente, vai-se ampliando a corrente que admite a possibilidade de a pessoa jurídica também ser sujeito passivo de crimes contra a honra" (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 302) e, consequentemente, "as pessoas jurídicas são, em tese, caluniáveis, difamáveis e injuriáveis" (QUEIROZ, Paulo. Curso de direito penal 2: parte especial. Salvador: Editora JusPODIVM, 2013, p. 153).

Merece destaque, a esse respeito, a decisão proferida pela 7a Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Recurso em sentido estrito Crime contra a honra de Pessoa Jurídica Imputação da prática de crime diverso daqueles previstos na legislação ambiental Impossibilidade de reconhecimento da prática de injúria ou de calúnia Conduta típica pela prática apenas de difamação […] Eventual afirmação nesse sentido poderá, todavia, corresponder ao crime de difamação, uma vez possuir a pessoa jurídica a denominada honra objetiva, ou seja, goza de reputação perante o corpo social, da qual depende evidentemente a atividade econômica por ela desempenhada.

(TJ-SP. Relator: Grassi Neto, Data de Julgamento: 27/03/2014, 7a Câmara de Direito Criminal grifos próprios)

Resta possível, portanto, que pessoa jurídica como é o caso do querelante promova ação penal privada pelo crime de difamação, afastando-se o argumento da defesa nesse aspecto. Contudo, por outras razões o fato remanesce atípico, pelo que a rejeição da exordial se impõe.

Com efeito, o Brasil constitui-se em um Estado de direito democrático, cujas balizas encontram-se prevista na Carta Política de 1988. Quando se afirma que o Estado é de direito, significa que, para o regular exercício dos Poderes, deve haver a fiel observância dos direitos individuais e das leis vigentes no pais. Quando se fala que o Estado é democrático, significa, no aspecto formal, que se observa o sistema representativo para imperar a vontade popular e, por outro lado, no aspecto material, que o Estado deve assegurar a efetiva aplicação das liberdades constitucionais. Assim, conjugando ambos aspectos, além da proteção de minorias, poder-se-á falar em uma verdadeira democracia ou Estado democrático.

Pois bem. E é neste ponto que a questão dos presentes autos deve ser solucionada.

Somente haverá um pleno Estado de direito se forem asseguradas as liberdades de expressão e de imprensa. Do contrário, qualquer ato que restrinja estas liberdades, como p. ex., eventual censura, representará indevido avanço de um Estado policial sobre o Estado de direito garantidor de liberdades, o que não se admite.

É claro que, não havendo direito absoluto, todas as liberdades constitucionais devem ser, além de garantidas, exercidas com limitações. Estas limitações devem estar expressamente previstas em lei; serem concebidas para proteger direitos ou a reputação de terceiros e serem necessárias em uma sociedade democrática. (Corte IDH. Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica. Exceções preliminares, mérito, reparações e custas. Sentença de 2-7-2004.)

Em se tratando de liberdade de expressão ou imprensa, a restrição está prevista na própria CF/88 quando impõe a reparação por danos morais e no próprio Código Penal quando tutela à honra. E mais, limita-se este direito quando ele é usado para além do dever de informar (ou criticar) e que, especificamente, almeje atingir reputações, o que, de fato, desestabilizaria a ordem social e a convivência democrática entre as pessoas.

No presente caso, tenho que as matérias não ultrapassaram os limites referidos estando dentro daquilo que se considera lícito e ínsito a um estado de liberdades.

As duas matérias veiculadas pelo querelado em seu blog, saliente-se, trouxeram informações públicas, mescladas com opiniões pessoais do jornalista, característica nata de colunas deste gênero.

Sendo jornalista esportivo, o querelado se ocupa de vários aspectos envolvendo campeonatos e times de futebol, incluindo, em alguns casos, debates críticos acerca de alguns patrocinadores. Tal atitude se mostra dentro do limite de sua liberdade de expressão.

Assim, no caso, agiu o querelado nos limites de sua profissão, baseando sua matéria jornalística nas informações recebidas, atuando, em verdade, nos limites dos fatos narrados, com críticas inerentes ao trabalho de um articulista, de modo a não existir ato ilícito de sua parte.

Tratou-se, de fato, do exercício regular do direito de informar. A liberdade de imprensa, enquanto extensão das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, compreende prerrogativas inerentes como o direito de informar, o direito de buscar a informação, o direito de opinar e o direito de criticar.

Nesse sentido:

E M E N T A: LIBERDADE DE INFORMAÇÃO – DIREITO DE CRÍTICA – PRERROGATIVA POLÍTICO-JURÍDICA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL (…) MATÉRIA JORNALÍSTICA QUE EXPÕE FATOS E VEICULA OPINIÃO EM TOM DE CRÍTICA – CIRCUNSTÂNCIA QUE EXCLUI O INTUITO DE OFENDER – AS EXCLUDENTES ANÍMICAS COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO DO "ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI" – AUSÊNCIA DE ILICITUDE NO COMPORTAMENTO DO PROFISSIONAL DE IMPRENSA – INOCORRÊNCIA DE ABUSO DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO – CARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE, DO REGULAR EXERCÍCIO DO DIREITO DE INFORMAÇÃO – O DIREITO DE CRÍTICA, QUANDO MOTIVADO POR RAZÕES DE INTERESSE COLETIVO, NÃO SE REDUZ, EM SUA EXPRESSÃO CONCRETA, À DIMENSÃO DO ABUSO DA LIBERDADE DE IMPRENSA – A QUESTÃO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO (E DO DIREITO DE CRÍTICA NELA FUNDADO) EM FACE DAS FIGURAS PÚBLICAS OU NOTÓRIAS – JURISPRUDÊNCIA (…). – A liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar. (…) (AI 705630 AgR / SC AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 22/03/2011).

Ademais, seu ânimo, no caso em tela, se aproxima muito mais de intenção de narrar e contextualizar do que de difamar o querelante, pessoa jurídica. Conforme bem salientado pelo representante do Ministério Público às fls. 146, "não há delito quando o sujeito pratica o fato com ânimo diverso, como ocorre nas hipóteses do 'animus narrandi, defendendi, retorquiendi, corrigiendi e jocandi' ".

Assim, não estaria presente o elemento subjetivo necessário para a configuração do crime de difamação. Não se mostra claro, inclusive, que as críticas feitas carregavam a intenção de criar abalo em sua credibilidade junta à sociedade e ao próprio mercado financeiro, como alega o querelante às fls. 149/160. Até porque, ao que se compreende das matérias, a informação volta-se mais a crítica ao Sport Club Corinthians Paulista do que propriamente ao querelante, no tocante a celebração do contrato de patrocínio.

Ausente, portanto, vontade específica de difamar, necessário à configuração do tipo penal. No crime de difamação, a vontade de praticar a conduta deve vir acompanhada do dolo (animus diffamandi) que consiste na vontade livre e consciente de ofender a honra do sujeito passivo atingindo sua reputação social. Acerca do elemento subjetivo especial do tipo de difamação, leciona Bitencourt que "a difamação também exige o especial fim de difamar, a intenção de ofender, a vontade de denegrir, o desejo de atingir a honra do ofendido […] Por isso, a simples idoneidade das palavras para ofender é insuficiente para caracterizar o crime" (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, parte especial 2: dos crimes contra a pessoa. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 305 e 314). Prossegue o doutrinador, afirmando que "não há animus diffamandi na conduta de quem se limita a analisar e argumentar sobre dados, fatos, elementos, circunstâncias, sempre de forma impessoal, sem personalizar a interpretação. Na verdade, postura comportamental como essa não traduz a intenção de ofender" (idem).

Destarte, a simples narrativa dos fatos, ainda que impregnada de viés crítico, que, nesse caso, tinha o intuito de informar a sociedade, não basta para a configuração do crime de difamação. STJ: "Nos delitos contra a honra, é necessário, além do dolo, o propósito de ofender (animus) que inexiste se ocorrer mero animus narrandi" (Resp 118.417-DF DJU de 25.2.1998, p. 97-98).

Diante do exposto, com fundamento no artigo 395, inciso III do Código de Processo Penal REJEITO a presente queixa crime oposta em face de JOSÉ CARLOS AMARAL KFOURI.

Façam-se as anotações de praxe.

São Paulo, 02 de abril de 2019.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/