E se... 10. Careca
Por ROBERTO VIEIRA
Era o dia 29 de junho de 1986, Estádio Azteca. Cento e quinze mil pessoas sob um sol de Zapata. Os mexicanos torciam sempre pelo Brasil, e achavam que jogador por jogador o Brasil era mesmo superior aos argentinos, mas havia Diego Maradona que imolara os ingleses com sua subversão, o qual vinha tornando sublimes e inesperados os caminhos da Copa.
Se a bola era brasileira, os destinos do futebol são sempre escritos pelos deuses cujos desígnios são incompreensíveis para os mortais. Assim pensavam os mexicanos. E o mundo pensava mais ou menos a mesma coisa.
Os argentinos estavam armados com a certeza de quem era dado como carta fora do baralho por 100% de sua mídia antes da Copa. Ninguém dava um peso furado pela seleção de Doutor Bilardo. A saída de Passarella aconteceu como símbolo. O adeus aos rapazes de 1978 e a chegada ao regime estudantil de Bilardo, herdeiro das tradições platenses dos anos 60. Haja alfinete!
O goleiro Carlos estava tranquilo. Tomar gol de Maradona seria fato normal numa Copa esquisita que vira dois gols antológicos de Josimar que dormia a sono solto na véspera dos jogos, como se fosse disputar uma partida diante do Olaria no Rio. Edinho e Júlio César eram mais sérios. Edinho sabendo que era tudo ou nada. Júlio se descobrindo Bellini em plena Copa. Branco completava a defesa com a velocidade e ímpeto de quem praticamente decidira a difícil partida contra a França.
Elzo e Alemão era o meio campo dos pesadelos brasileiros. Dois cães de guarda onde antes havia impressionismo. Mas Telê abdicara dos seus princípios em benefício da vitória. 1982 fora muito sofrido, e aquela parecia sua derradeira chance de não ser enterrado junto com o sapo de Arubinha.
Júnior e Zico. Júnior e Zico. Quatro anos faziam toda diferença deste mundo. Eles raciocinavam em technicolor. Muller e Careca em VHS. Quando Sócrates entrava no filme, o encontro de gerações podia ser sublime ou exótico. Tal qual Nilton Santos conversando com Amarildo nas noites cariocas.
O jogo foi muito mais que o encontro de Maradona e Zico. Ambos jogaram tudo que sabiam e algo mais. Foi a maior final de Copa do Mundo desde 1966. A mais equilibrada. A menos pitoresca e mais elaborada.
Durante alguns minutos, o inusitado José Burruchaga foi o herói num contra ataque mortal capitaneado por Dieguito. Burruchaga chegando cara a cara com Carlos.
Mas, desta vez, os deuses do futebol quiseram que a Copa do Mundo fosse conquistada por um cavaleiro de Araraquara, Antonio de Oliveira Filho. Aos 26 anos de idade, Careca deixou sua marca na final após o cruzamento de Zico, igualando o número de gols de Lineker na artilharia do torneio. O Azteca transformado num gigantesco Brinco de Ouro.
Muitos imaginando o que seria Sarriá com Careca em campo.
Pouco importa se na comemoração do gol, ele e Maradona tenham se envolvido num bate boca que terminou com a expulsão dos dois. A Copa terminava com briga num cenário que adorava uma confusão. Brasil e Argentina sem sangue seria um anticlímax para todos que julgavam que o futebol é guerra ao sol e a sombra.
Eduardo Galeano estava nas arquibancadas de sombrero, mendigando a beleza dos noventa minutos e teve a intuição de que Maradona e Careca ainda iriam se encontrar. E foi o que realmente aconteceu.
Pouco depois, a transação entre São Paulo e Napoli deu com os burros n'água. Maradona não quis nem saber de Careca em seu time. O moço de Araraquara não se importou. Arrumou as malas e foi para o Real Madrid.
Na sua primeira temporada europeia, Careca meteu dois gols no Napoli na primeira fase da Copa dos Campeões, deixando Maradona sem ter o que falar.
Pelo menos até 1990..
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/